Opinião de Jorge Buescu, físico e matemático, autor de vários livros (o último chama-se ‘Curvas Ideais, Relações Desconhecidas’, sobre a nova ciência dos dados e como está já a transformar as nossas vidas) e professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL).
Estamos em 2018 a viver uma inovação tecnológica integrando ciência de dados, modelação matemática e simulação computacional que pode revolucionar a indústria do século XXI. Esta inovação é conhecida como a tecnologia dos gémeos digitais.
Esta tecnologia é, num certo sentido, fácil de explicar: um gémeo digital é um modelo virtual de um processo, produto ou serviço que evolui em tempo real ao mesmo tempo do que este. Este emparelhamento dos mundos virtual e físico permite a análise de dados e a previsão de problemas do dispositivo real antes mesmo de elas ocorrerem – o que pode ser essencial, por exemplo, em indústrias como a aviação.
A ideia não é nova; ela remonta, de facto, aos inícios da exploração espacial. Foi a NASA a primeira entidade a lidar com um problema deste tipo, desenvolvendo métodos para simular à distância a operação, manutenção e reparação de sistemas aos quais não existe acesso físico directo. Quando o desastre atingiu a missão Apollo 13, foi a técnica da geminação – neste caso ainda não digital – que permitiu aos engenheiros na Terra salvarem os astronautas no espaço. Se não conhece o filme com Tom Hanks, recomendo que o veja.
Hoje em dia integração da Internet das Coisas (IoT), ad Ciência dos dados, da capacidade dos computadores e dos algoritmos matemáticos de aprendizagem permitem elevar o método da geminação a alturas inimagináveis. Podemos ter modelos digitais de turbinas de geração eléctrica (como faz a GE, que construiu uma quinta de vento utilizando gémeos digitais) ou de equipamentos caríssimos nas áreas da saúde, como a Siemens. Estes modelos correm na nuvem, aprendem automaticamente com os objectos reais através dos dados que lhes são enviados e correm algoritmos matemáticos que simulam o comportamento dos objectos reais. São assim capazes de prever problemas antes de eles acontecerem, de indicar que tipo de manutenção preventiva é necessária, e de evitar acidentes.
O processo é em tudo semelhante aos métodos modernos de previsão meteorológica: recolhemos dados atmosféricos, colocamo-los nos modelos que simulam o comportamento da atmosfera, e conseguimos prever onde vai chover ou qual a trajectória de um furacão. A previsão meteorológica é resultado de um gémeo digital da atmosfera. Mas hoje temos meios para realizar este processo em larga escala em processos e produtos industriais.
Todos os especialistas da área estão de acordo: nos próximos cinco anos, haverá milhões de objectos do mundo real representados por gémeos digitais. Na área da saúde, por exemplo, é de esperar que surjam tecnologias de gémeos digitais para doenças graves, de forma que os hospitais consigam prever antecipadamente o que poderá acontecer com cada doente. As possibilidades que esta tecnologia abre são hoje difíceis, se não impossíveis, de imaginar.
Os gémeos digitais são a porta que nos pode dar acesso a um admirável mundo novo. Assim tenha o ser humano a sabedoria de o utilizar para o bem.