Em Junho de 2019 o Parlamento Europeu e o Conselho adoptaram a controversa Directiva Mercado Único Digital (Directiva 2019/790 UE) que supostamente tem de ser implementada pelos Estados Membros até Junho de 2021.
Entretanto, em alguns Estados Membros os seus efeitos já estão a ser sentidos. Em França, por exemplo, já surgiram novas regras no que toca à utilização digital das publicações de imprensa (ou “press right”).
França foi o primeiro Estado Membro a implementar o chamado “press right” através da Lei nº 2019-755, que estabelece que os prestadores de serviços da sociedade da informação requerem a autorização dos editores de imprensa para fins da utilização online das suas publicações, quer as usem no seu todo ou apenas parcialmente.
Perante tal lei a Google optou por deixar de utilizar os conteúdos dos editores de imprensa a não ser que estes concedessem gratuitamente a requerida autorização.
Resultado: Os editores de imprensa que não sucumbiram aos termos e condições da Google sofreram quebras significativa no que toca ao tráfico de utilizadores aos respectivos websites. Os que quiseram evitar essas quebras de tráfico acabaram por fornecer licenças à Google para utilização dos seus conteúdos, sem negociação e sem compensação monetária.
A história podia ter ficado por aqui, mas os editores de imprensa combateram a Google por meio de um ângulo jurídico inesperado. Em Novembro de 2019, várias queixas foram apresentadas à Autoridade Francesa da Concorrência pelo “Syndicat des éditeurs de la presse magazine”, pela “Alliance de la presse d’information Générale” (APIG) e pela “Agence France-Presse” (AFP), alegando que o comportamento da Google montava claramente a um abuso de posição dominante em violação de normas europeias.
Examinado o processo, a Autoridade Francesa da Concorrência concluiu, preliminarmente, que a Google ocupava uma posição dominante no mercado relevante e que a imposição, unilateral, aos editores de imprensas de condições comerciais desleais, sem negociação e sem remuneração se traduzia em abuso de posição dominante – permitindo que a Google contornasse o chamado “press right”.
Sublinhou a referida autoridade que, sendo o tráfico gerado pela Google crucial e não substituível para o negócio dos editores de imprensa, tais editores não tinham outra hipótese senão aceitar condições ironicamente mais desfavoráveis do que as que existiam antes da transposição do Directiva Mercado Único Digital.
Na sequência deste raciocínio, a Autoridade Francesa da Concorrência decretou medidas provisórias a serem tomadas pela Google (Decisão 20-MC-01 de 9 de Abril de 2020), incluindo um mecanismo de compensação retroactiva desde Outubro de 2019.
Note-se que estas medidas provisórias apenas permanecerão em vigor até que a Autoridade Francesa da Concorrência tome uma decisão de mérito sobre a causa, podendo, ainda, ser alvo de recurso, mas para já a vitória cabe aos editores.
Menos óbvio, mas de realçar, é o facto de que esta vitória beneficia, também, os utilizadores da Internet. Com efeito, a Directiva Mercado Único Digital pretendeu, com o artigo 15, reconhecer e encorajar a contribuição em termos financeiros e organizativos dos editores de imprensa, a fim de garantir a sustentabilidade de um sector em crise e, por conseguinte, promover a disponibilidade de informação fidedigna.
Convém lembrar que a informação que se encontra disponível na Internet oferece graus diversos de fidedignidade, quer quanto à sua qualidade, quer quanto à sua verdadeira fonte, abundando hoje a deliberada propagação de imprecisões, de incorrecções e de desinformação sob a forma de “fake news”.
Ora garantir o acesso a conteúdos de qualidade na Internet passa, entre outras coisas, por encorajar o processo editorial tendo em conta o investimento requerido, sem influenciar, claro está, os conteúdos em causa.
Da ausência de garantias de recompensa para o esforço editorial poderá decorrer uma diminuição da qualidade dos conteúdos que povoam a Internet – o público terá ao seu dispor técnicas de reprodução muito sofisticadas mas os conteúdos a copiar serão de qualidade inferior à que caracterizou o segundo milénio.
Patricia Akester é Fundadora do Gabinete de Propriedade Intelectual (www.gpi-ipo.com)
Nota: A autora não escreve de acordo com o novo acordo ortográfico.