Uso de internet sobe 30% em Portugal. Deixar de fumar e sites infantis em destaque

John Graham-Cumming da Cloudflare, entrevistado no segundo dia da Web Summit 2019. (Reinaldo Rodrigues/Global Imagens)

A gigante da internet, Cloudflare, casa de cerca de 10% dos sites e apps mundiais, mostra-nos números da internet em Portugal, cujo tráfego subiu 30%. O seu CTO, John Graham-Cumming, falou connosco sobre as tendências e sobre os tempos estranhos em que vivemos.

Estima-se que a Cloudflare é usado por cerca de 81% dos sites que usam serviços chamados de proxy reverso (que consiste, geralmente falando, num servidor de rede geralmente instalado para ficar na frente de um servidor Web), ou seja, 12,3% dos sites da internet, havendo outras estimativas de analistas que apontam para os entre os 6 e 10% do tráfego na internet passa pela Cloudflare – há rivais sem o mesmo tamanho como ImpervaAkamai, Amazon CloudFront, etc.

Como nos explica o CTO da empresa, o inglês John Graham-Cumming, que desde o verão passado que vive em Lisboa, onde coordena um dos centros técnicos e de desenvolvimento da empresa multinacional: “desempenhamos o papel de intermediário entre um site e o visitante, melhorando a performance e rapidez e filtrando pedidos suspeitos”.

A empresa só anuncia oficialmente que fornece serviços para 10% das empresas do chamado índice Fortune 1.000 e “mais de 26 milhões de propriedades da Internet (que podem ser sites ou apps) usam-nos, ou seja, tornamo-nos mais rápidos e protegemos de hackers”. Já sobre o momento em que vivemos, o isolamento físico atual na maioria dos países fez disparar o consumo de internet a nível global. Estimativas iniciais apontavam para mais de 10%, mas já estão desfasadas da realidade.

“Há subidas no uso de internet por todo o lado, especialmente onde há o chamado lockdown ou fecho do país, que fez o uso de internet subir de forma vertiginosa”. John Graham-Cumming, numa pesquisa breve na sexta-feira passada, notou que França tinha subido mais 25% do que o normal, Itália já ia nos 40% acima do uso normal e Portugal acima dos 30%. “Depende da região, mas é normal ver subidas entre 30 a 40% até mesmo aos 80% de aumento na utilização da internet devido às medidas de distanciamento”.

Outro fenómeno peculiar que a Cloudflare tem notado é um uso maior durante o dia e noite, sem grandes pausas, e em temas todos os temas possíveis de ver na Internet. “Claro que há aumentos substanciais relativamente ao que as pessoas fazem online pelo isolamento atual”, explica John.

E se a procura por temas como casamentos parou a nível geral, em Portugal o CTO da Cloudflare notou em tendências próprias fora do vulgar noutros países: “há uma tendência peculiar ao verificar-se que há muita gente à procura de informação para parar de fumar, mas também na busca de temas relacionados com a América do Sul, o que não é surpreendente pela ligação ao Brasil”. Outra tendência portuguesa é a procura por serviços de tradução online. John assume que as pessoas “deverão estar a tentar perceber o que se passa noutros países e a usar sites de tradução para isso”.

Sites infantis, entretenimento por streaming e ideias gerais para o que fazer em isolamento é comum à maioria de países. “As pessoas estão à procura de ideias sobre o que fazer com os seus filhos, jogos, atividades, etc“.

Com a maioria das crianças em casa nesta altura de pandemia – mais de dois milhões de alunos em Portugal e 1,6 mil milhões em todo o mundo – e muitos pais também em casa em teletrabalho, a necessidade não só de ensinar mas também de entreter crianças é uma tendência global. Também há preocupações com a saúde e claro, em perceber melhor o ensino remoto e acompanhar as notícias do dia e jogar jogos. Há também 200% de aumento de procura pela categoria “catolicismo”, o mesmo aumento visto na categoria “hotéis”, provavelmente em busca de um bom desconto para férias daqui a uns meses. Exercício ‘só’ teve um aumento de 160%.

Sem mais demoras, aqui fica lista cedida ao Dinheiro Vivo pela Cloudflare.

cloudflare portugal internet consumo
Alterações no uso de internet em Portugal por categorias (dados da Cloudflare). Valores comparam o início de fevereiro com o final de março e são uma média semanal

Nos gráficos seguintes também é possível ver o mapa de utilização de internet em crescimento vertiginoso (a verde) nas zonas de Lisboa e Porto, onde há maior concentração de pessoas por km2 (os dados são do passado sábado).

Dados do uso de internet na região do Porto (CloudFlare)
Dados do uso de internet na região do Porto (Cloudflare)
Dados do uso de internet na região de Lisboa (CloudFlare)
Dados do uso de internet na região de Lisboa (Cloudflare)

Já sobre a forma como a Cloudflare está a lidar com o aumento de tráfego, “não tem havido problemas. “O que mudou para nós é que temos muito mais tráfego, especialmente nas zonas de lockdown, mas como temos servidores em 200 cidades a nível mundial, incluindo em Lisboa, conseguimos espalhar bem a carga de tráfego por eles”.

John Graham-Cumming admite que precisam é de estarem “mais atentos a verificar que todos os sistemas estão a funcionar bem e há capacidade para lidar com o que se vai passando”. “O que é interessante de ver é que a maré de uso de internet subiu em geral mas, na verdade, quando havia um grande evento como um Mundial de futebol ou assim, já estávamos acostumados a picos mais elevados”. Ou seja, têm “escala para esta situação”.

Tendência a nível de segurança: há mais engodos à espreita (phishing)

John Graham-Cumming admite que a maior tendência e que deve causar maior preocupação é que há bem mais ataques de phishing (golpes usurpando identidades) agora, onde por e-mail ou SMS “tentam enganar as pessoas a dar a sua informação bancária ou o seu username e password” ou carregando num link para o fazer. “Passa muito pela psicologia humana, onde nos tentam enganar”. O engenheiro de software admite não ser surpreendente que “pessoas más usem esta situação de stress e incerteza para tentar ainda mais enganar, daí que o phishing tenha subido muito”.

Os ataques a sites também subiram, em alguns casos específicos uns impressionantes 70%. “No entanto achamos que isto é menos malicioso e eficaz do que a situação com o phishing”, admite. “Todos os anos, vemos os ataques subirem por altura das férias da Páscoa porque os jovens alunos têm mais tempo livre e agora isso tem subido porque os jovens estão aborrecidos e estão a hackear sites e o que veem à frente”, adianta.

“Os jovens estão aborrecidos e estão a hackear tudo o que veem. Mas o phishing é pior

Como conselho para português (e utilizador de internet) ver, o CTO da Cloudflare diz que além das típicas sugestões: “fiquem atentos a truques para vos enganar na internet, não coloquem os vossos dados a locais que não conhecem bem”. Numa altura de isolamento e maior uso de internet, “é bem provável que comecem a aderir a algo novo nesta altura, mas criem uma password única para isso, para não pôr toda a vossa segurança em risco”.

Nesse domínio, a Cloudflare também lançou já em abrir novas ferramentas a pensar nas famílias (e em internet mais rápida e segura). É uma versão familiar do seu serviço DNS chamado 1.1.1.1 for Families, que pode ser usado para bloquear malware e impedir que crianças vejam conteúdo adulto online. Há ainda também uma app gratuita focada numa internet mais segura, chamada WARP, ainda em fase beta e só para aparelhos móveis.

 

John Graham-Cumming da Cloudflare, entrevistado no segundo dia da Web Summit 2019. (Reinaldo Rodrigues/Global Imagens)
John Graham-Cumming da Cloudflare, entrevistado no segundo dia da Web Summit 2019.
(Reinaldo Rodrigues/Global Imagens)

O negócio da internet vs. os outros

Já no que diz respeito ao negócio da internet Graham-Cumming – que é também autor e é conhecido no Reino Unido por ter iniciado uma petição bem sucedida junto do governo britânico para que emitisse um pedido de desculpa pela perseguição de um dos precursores da computação, Alan Turing -, explica-nos como as tecnológicas, incluindo a Cloudflare, estão a beneficiar com os tempos de pandemia. “Beneficiamos ao não sermos prejudicados como os outros”, admitindo que os negócios focados no online “estão a crescer muito, como seria de esperar”.

“É triste ver os negócios fechados, os restaurantes aqui ao pé de casa em Lisboa sem ninguém, é preocupante perceber que muitos podem não conseguir abrir”. Certo é que o distanciamento está a exponenciar os negócios online, “porque as nossas vidas estão a ficar ainda mais online devido à situação”. E se isso traz mais empresas para as revolução digital, o facto de ser feito desta forma também tem consequências “imprevisíveis e perigosas”. “Penso muito nessas pessoas em dificuldade e nós na Cloudflare só nos podemos dar por gratos por ter um emprego estável onde fazemos algo útil para todos, ajudando no acesso à internet”, admite o gestor e autor de livros como The Geek Atlas – um livro de viagem – ou The GNU Make Book – um manual técnico para fazer software.

A internet em Portugal é “muito boa”

“Portugal investiu há uns anos para que a internet funcione bem e posso dizer que o país está bem preparado de um ponto de vista genérico, pelo menos nas zonas urbanas”. O engenheiro de software admite que usa em Lisboa fibra de 1Gb, “o que seria impossível de conseguir em Londres”. “Acho que as redes aqui são estáveis e de qualidade e não devem estar preocupados com acesso à internet em Portugal”.

Estive envolvido em discussões europeias entre governos, olhar para performance na Europa e há regiões noutros países (não em Portugal) e operaradores mais pequenos com dificuldades na forma como criaram a sua rede e a desenvolveram. Foi por isso que vimos serviços como a Netflix ou a Amazon a abrandar o seu streaming, para ajudar esses operadores, mas aqui em Portugal não há esse problema. Estamos numa posição muito estável.

Investimento em Lisboa continua: 200 até 2021

Cloudflare abriu um dos seus principais centros técnicos em Lisboa no verão passado. Começaram com 10 pessoas num espaço cowork. Agora já são 19 e “um terço das pessoas foram contratadas localmente, já em Portugal”. Estão a contratar mais localmente nesta altura mantendo o objetivo de ter 80 pessoas este ano e 200 em 2021”. “Todos os departamentos que temos na Cloudflare estão a contratar em Lisboa e as contratações mais recentes foram em finanças”, admite.

Curiosamente, mudaram de escritório a 31 de março, para instalações maiores no Marquês do Pombal para acomodar as próximas contratações. “Mas como estamos todos em teletrabalho só o material é que se mudou”.

Tecnologia alimenta era do trabalho e vida remota em tempo de Covid-19

Como tudo começou?

A empresa foi criada em 2009, quando o atual CEO Matthew Prince e Lee Holloway, trabalhavam em conjunto num sistema que rastreava a forma como spammers reuniam endereços de e-mail (apelidado de ‘Projeto Honey Pot‘). Juntaram-se a Michelle Zatlyn na Harvard Business School, onde Prince estudou e expandiram o conceito: criaram um novo nome e venceram um concurso de Plano de Negócios da Harvard Business SchoolO serviço foi lançado na sua versão beta em junho de 2010.

Matthew Price dedica algum tempo a explicar o que a Cloudflare faz e porque o seu trabalho envolve tantos sites e vai além do chamado serviço como CDN (Content Delivery Network, ou rede de entrega ou distribuição de conteúdo, totalmente ligado à performance e segurança dos sites), onde não falta explicação em gráficos.

Cloudflare tem defendido publicamente a chamada neutralidade da internet – a ideia base de que as redes não devem discriminar o conteúdo que passa por elas – e criou a Aliança Bandwidth que já inclui empresas como IBM Cloud e Microsoft Azure e, mais recentemente, empresas chinesas como o Alibaba Cloud – com o objetivo de potenciar uma internet mais rápida, segura e fiável com alterações técnicas cirúrgicas.

Pode ouvir a seguir uma entrevista áudio que fizemos a John Graham-Cumming na Web Summit em novembro passado onde se aborda desde acusações que a Cloudflare chegou a ouvir por ter permitido (e depois deixou de o fazer) portais polémicos com o 4Chan on 8Chan, mas também sobre o futuro da internet, até a questões mais filosóficas do ser humano na era virtual:

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