Accenture reúne especialistas e clientes a 6 de novembro no evento Technovate 2.0 para falar das oportunidades e desafios da nova economia digital.
“As empresas se não efetuarem uma transformação no modo como operam e no modo como estão no mercado, vão ter muitas dificuldades”. É assim que Pedro Lopes vê o processo de transformação tecnológico que está a mudar a forma como se faz negócio, em Portugal e no mundo.
Em entrevista ao Dinheiro Vivo/Insider, o managing director, responsável pela Accenture Technology em Portugal, faz um análise à maturidade do mercado português e deixa alguns alertas que os gestores devem ter em conta nos próximos anos.
Vários especialistas têm sido fatalistas na forma como têm abordado a questão da transformação digital e da aposta na tecnologia. Dizem que as empresas ou embarcam ou desaparecem. Concorda com esta perspetiva?
Não diria que desaparecem, mas de facto se não efetuarem uma transformação no modo como operam e no modo como estão no mercado, diria que vão ter muitas dificuldades. Basta olhar para uma estatística da Forbes 500, em que desde o ano 2000 mais de metade das empresas que estavam na lista desapareceram do mapa. Em grande medida devido à disrupção tecnológica e digital que tem acontecido. Diria que nos dias de hoje, até a carpintaria da esquina tem que ser um negócio digital.
Sobretudo em Portugal, um mercado composto por micro, pequenas e médias empresas, este tema da transformação digital pode ser assustador.
Percebo isso, mas há que ter em conta que hoje uma boa parte das empresas mais inovadoras, mais ágeis e flexíveis são as pequenas empresas, são as startups, porque de facto hoje a tecnologia está democratizada, no sentido em que o custo tem vindo a baixar de forma brutal e portanto está hoje acessível não apenas às grandes empresas que têm os grandes orçamentos de TI que podem investir, mas também a pequenas empresas que dessa forma podem inovar.
Ter uma presença nos canais digitais hoje em dia é uma coisa relativamente acessível a qualquer empresa. Diria que sim, podem sentir-se assustadas, mas há aqui todo um manancial de oportunidades que pode ser explorado a um custo relativamente baixo.
Da realidade que conhece, como estão as empresas portuguesas neste processo de transformação digital. Estão bem lançadas ou estão a ficar para trás?
Diria que, curiosamente, em Portugal vivemos uma situação um pouco curiosa. Por um lado temos um ecossistema de inovação com muitas startups, inclusivamente startups e companhias que se vêm instalar em Portugal para a partir daqui iniciarem as suas operações a uma escala mais global.
Há todo um hype à volta da inovação em Portugal, mas por outro lado se de facto olharmos para aquilo que são as grandes empresas, as grandes corporações em Portugal, por exemplo, face a outros mercados, nota-se algum atraso. Nomeadamente face ao mercado norte-americano.
Diria que há aqui várias explicações para isso, nomeadamente o facto de que em Portugal isto é uma economia relativamente pequena, com uma massa crítica relativamente pequena, portanto diria que somos menos atrativos para os grandes players globais se instalarem, se quisermos, do ponto de vista de explorarem este mercado.
Isso de alguma forma tem protegido as empresas portuguesas que já estão cá e têm sentido uma menor pressão para se desenvolverem ou evoluírem. Pegando num caso concreto, a Amazon. A Amazon não existe em Portugal, mas a Amazon Prime está em 52% das casas norte-americanas.
25% dos lares norte-americanos já têm colunas inteligentes, dispositivos que em Portugal nem sequer são suportados pelos grandes fabricantes. Isto para dizer que de facto acho que começa a haver uma evolução por parte das empresas portuguesas, mas com algum atraso face a outros mercados, na minha perspetiva devido ao facto de vivermos aqui numa economia de alguma forma protegida pela nossa pequena escala.
Quais são os sectores de negócio que estão mais atrasados na transformação digital?
Não destacaria um em particular, inclusivamente, sectores como a banca, seguros, telecomunicações, já todos começaram o seu processo de evolução e transformação digital. Não destacaria um sector que esteja mais atrasado do que os outros.
Para as empresas que estão a começar os seus processos de transformação digital e podem pensar que estão atrasadas, quais são as formas mais eficazes de recuperar a desvantagem que podem ter para os concorrentes?
Diria que passa muito por entender quais são as necessidades digitais dos seus clientes. E atenção que estas necessidades estão em constante evolução. O conhecer os clientes e maximizar a personalização, com a questão da economia da experiência em que vivemos, proporcionar experiências relevantes aos seus clientes, é algo que hoje em dia é absolutamente fundamental.
Depois não olhar para o seu negócio como um negócio numa indústria específica, limitado pelas fronteiras da indústria. Do estilo, eu trabalho em serviços financeiros e vou só olhar para serviços financeiros – não. Se nós pensarmos nestes players digitais, diria que a grande diferença que têm em relação às empresas mais tradicionais é que olham para o cliente não numa lógica de indústria, do estilo sou um banco vou vender serviços financeiros ou sou uma seguradora e vou vender seguros, não, eles olham para o cliente numa lógica da cadeia de valor completa. Onde é que eu consigo estar posicionado para conseguir entregar valor, independentemente do sector.
Vemos, por exemplo, empresas como uma Nike ou como uma Adidas que transformaram aquilo que era uma indústria de comodidade, de venda de artigos desportivos quase que na venda de um estilo de vida, na venda de uma experiência. Parte muito por aqui: olhar para o cliente de uma forma holística e não tanto focado apenas no sector em que trabalham.
Depois, por último, obviamente que, e isto para empresas que se dizem muito sufocadas pelo peso dos seus custos pessoais, têm que transformar o modo como trabalham e o modo como desenvolvem o seu negócio do ponto de vista de tornar as suas operações muito mais eficientes, muito mais automatizadas e, portanto, poder libertar recursos para investir noutros sectores.
Quais as grandes tendências tecnológicas com as quais os executivos das empresas portuguesas devem preocupar-se a curto prazo? O que é que vai mudar o jogo nos próximos anos?
Diria que nós vivemos um momento bastante interessante, no sentido em que pela primeira vez estamos a assistir a diversas tecnologias que estão a atingir o seu estágio de maturidade na mesma altura: estamos a falar de cloud, de big data, da própria mobilidade e da inteligência artificial.
São tudo tecnologias que estão a atingir o seu estágio de maturidade no mesmo momento. Isso traz um efeito exponencial do ponto de vista do tipo de capacidades que nos permitem ter. O investimento combinado destas tecnologias, penso que o segredo estará por aí.
Obviamente que para os players mais tradicionais, que têm já todo um legado tecnológico, de anos e anos de desenvolvimento, o desafio está em como é que criam uma arquitetura tecnológica que combine tudo aquilo que são os sistemas de legado com estas novas tecnologias de uma forma que possa escalar para outros patamares.
Diria que o segredo está em conseguir combinar essas novas tecnologias com aquilo que são os ativos atuais das próprias empresas fruto do desenvolvimento ao longo de muitos anos.
As empresas mais tradicionais, justamente fruto dos muitos anos de mercado que já têm, podem ter aqui uma vantagem importante. Quem tiver mais dados, tem uma vantagem direta sobre a concorrência.
Sem dúvida. Diria que os dados são o grande motor de toda esta transformação digital que estamos a assistir. Cada vez mais, como referi anteriormente, o foco é na experiência do cliente, na personalização dessa experiência e para isso há um aspeto fundamental que é conhecer os clientes, conhecer os seus dados, os seus comportamentos, os hábitos, do que é que gostam, do que não gostam e conseguir inclusivamente antecipar as suas necessidades de uma forma pró-ativa.
Essa exploração analítica através de inteligência artificial e do machine learning, são coisas absolutamente fundamentais para a criação desta nova experiência e da colocação no mercado de produtos e serviços que vão ao encontro daquilo que são as necessidades dos clientes e que em alguns dos casos são necessidades que ainda não existem hoje, mas que vão existir amanhã.
Referiu a inteligência artificial, que é uma área que está em tendência. Que papel Portugal pode representa nesta área?
Portugal tem excelentes técnicos nesta área da inteligência artificial e não é por acaso que algumas das startups que estão hoje baseadas em Portugal, na sua própria génese está o tema da inteligência artificial. De facto temos um ecossistema bastante interessante desenvolvido em Portugal, nessa perspetiva eu diria que temos todas as condições para explorar este filão.
Porque de facto a inteligência artificial vai estar presente em tudo o que é a nossa vida: do ponto de vista da interação com as empresas, do ponto de vista daquilo que são as nossas rotinas do dia-a-dia e coisas como, por exemplo, eu ir no elevador e ser notificado que tenho uma reunião daqui a 30 minutos e vou demorar 22 minutos a lá chegar.
Todo esse tipo de experiência por trás, estamos a falar de motores de inteligência artificial. Quando a voz começa a ser um canal mais importante em que os sistemas de automatização, os assistentes virtuais, etc., tudo isso são novas formas de estar no mercado e de interagir com os clientes que tem por um lado inteligência artificial.
Eu diria que em Portugal temos um bom ecossistema criado para aproveitar essa capacidade.
Outra tendência é a automação e robotização, sobretudo no sector da indústria, que em Portugal tem uma grande expressão. Mas para eles não é tão simples como subscrever um serviço na cloud, é preciso investir em maquinaria de ponta. Como é que vai ser para estas empresas e para os gestores desta área?
Quando se fala hoje em dia de automação, a automação vai muito para lá do que é apenas o sector da indústria, das fábricas. Nem tudo passa por robôs físicos materiais, se quisermos. Há muita automação que hoje em dia se consegue a nível de backoffice, de front office, que é ao nível do software.
Obviamente que o investimento está lá, mas é menor. Dito isto, diria que ninguém faz automatização para automatizar, tem sempre que existir um caso de negócio associado e portanto, quando efetuamos uma automatização a larga escala, há toda uma análise financeira que é feita no sentido de ver do ponto de vista do ganho de poupanças o que é que vão conseguir obter.
Diria que em muitos casos o business case sai, noutros casos não sai, mas é algo que as empresas vão ter que fazer porque senão vão estar com um problema de competitividade grande. O que a automatização permite é libertar um conjunto de recursos financeiros, humanos para outras tarefas de maior valor acrescentado e portanto conseguir com isso novos patamares de eficiência.
Diria que é algo que as empresas vão ter que fazer sem grandes alternativas.
Um relatório da Accenture identifica a realidade mista, a abertura de dados e a Internet das Coisas (IoT) como outras grandes tendências que vão afetar as empresas. Destas áreas específicas, o que é que as empresas portuguesas podem trazer para o mercado global?
As empresas portuguesas quando nascem, especialmente as startups, em Portugal, nascem logo com uma perspetiva global. Isso é uma diferença face ao mercado espanhol, ao lado, em que as startups espanholas nascem muito numa lógica de alimentar o mercado doméstico.
No nosso caso em Portugal, temos essa vantagem de quando as empresas nascem, nascem logo nessa perspetiva mais global. Aqui existem vários casos na componente de realidade aumentada, realidade estendida, como na Accenture lhe chamámos, IoT, há já várias empresas a moverem-se neste sector e focadas em exportar esse tipo de serviços para fora.
Diria que algo a que iremos assistir nos próximos tempos, é o aparecimento de alguns players neste mercado que inclusivamente com parceiros mais globais estão a procurar explorar este tipo de tecnologias em nichos de mercado interessantes, seja a componente de seguros, a componente da própria banca, há várias empresas que estão a explorar esses sectores em Portugal.
Há uma questão relacionada com estes processos de transformação digital que é a falta de recursos humanos, existe uma maior procura do que talento disponível. Isto é algo que o preocupa?
É, preocupa-me bastante até enquanto responsável por uma área tecnológica dentro da Accenture em que o único ativo que nós temos são pessoas e neste caso pessoas com perfil de engenharia, muito tecnológico, e que de facto notamos uma grande escassez no mercado, porque de facto também a vinda para Portugal de muitos players internacionais que começam a estabelecer aqui os seus centros de competência, a partir de Lisboa, Porto, também de outras cidades, como Braga, isso está a levar a uma escassez muito grande de recursos no mercado.
Temos que pensar, enquanto empresa, como é que conseguimos fazer propostas de valor interessantes às pessoas para virem trabalhar para a nossa empresa. Dito isto, há todo um processo de reconversão ou de reciclagem de técnicas que temos de fazer do ponto de vista mais global de ver que profissionais é que temos no mercado noutras áreas e que conseguimos converter para áreas mais tecnológicas.
Nós temos vindo a trabalhar, enquanto Accenture, muito nessa vertente de pegar em profissionais que vêm de outras áreas, não tecnológicas, e converter para áreas onde há uma maior escassez de técnicas. Desse ponto de vista, é uma área que me preocupa bastante o tema do talento, pela escassez que existe, estamos a apostar naquilo que é a reconversão de outro tipo de skills em perfis mais tecnológicos.
As empresas devem ser criativas e procurar outros pontos para atraírem estes recursos. Consegue dar-nos exemplos do que as empresas podem fazer para serem competitivas no recrutamento?
Nós temos feito um estudo interno sobre o que é que motiva as pessoas a irem trabalhar e de facto aquilo que é a proposta de valor ou a proposta que anteriormente se fazia mudou radicalmente do ponto de vista daquilo que as pessoas estão à procura.
De facto o tema da carreira, da compensação financeira continuam a ser importantes, mas aspetos como o equilíbrio entre a vida pessoal e a vida profissional, o facto de se estar a fazer um trabalho interessante permite à pessoa evoluir, são aspetos cada vez mais valorizados pelas pessoas.
Cabe às empresas, dentro daquilo que é o seu âmbito de atividade, procurar oferecer este tipo de proposta de valor às pessoas. Muito mais focadas no tipo de trabalho interessante que as pessoas querem fazer e se calhar menos na perspetiva de carreira, hoje em dia as novas gerações têm uma lógica muito menos de longo prazo e muito mais de curto e médio prazo. O que lhes interessa mais é o tipo de trabalho que estão a fazer e não tanto se em dez anos vão conseguir chegar a um determinado estágio da carreira numa empresa específica.
A proposta de valor tem vindo a mudar e as empresas têm que se adaptar a isso mesmo.
Quando se fala em evolução tecnológica, há um sentimento positivo associado: é um sentimento de avanço, de melhoria de qualidade de vida. Mas a tecnologia também tem mostrado que há lados negativos: aumento do cibercrime, manipulação de opinião pública que depois tem resultado nas eleições, o aumento da automação pode e, muito provavelmente, vai levar a um aumento do desemprego em áreas específicas. Dentro destes aspetos negativos, há alguma área que o preocupe em particular?
Esse aspeto que referiu do processo massivo de automação é algo que vai exigir um esforço por parte de todos: por parte das empresas, por parte dos governos, por parte das próprias pessoas no sentido de se reconverterem.
Aquele modelo que tínhamos de que as pessoas estudavam, aprendiam uma determinada área e passavam toda a sua carreira dentro dessa zona e dentro dessa área que conheciam, esse tempo acabou. Hoje em dia isto vai exigir por parte dos profissionais uma flexibilidade e uma agilidade para adquirirem um novo tipo de conhecimentos, um novo tipo de experiências, um novo tipo de técnicas, que vai ser fundamental para sobreviver nesta nova economia que se aproxima.
É uma economia que tem uma dinâmica brutal, como nunca teve anteriormente e vai exigir por parte de todos os players uma maior flexibilidade e uma maior capacidade de adaptação a essa realidade. Preocupa-me bastante o sentido em que às pessoas vai ser exigida essa capacidade de adaptação e essa flexibilidade que eu diria que até aqui não temos assistido.
Vai ser seguramente o principal impacto a que vamos assistir e é um facto de preocupação, sem dúvida.
O Pedro acompanha a área da tecnologia há muitos anos e já assistiu a grandes transformações. A pergunta é no seguimento disto que acaba de dizer: num mundo que está cada vez mais tecnológico e digital, que papel para os humanos e para as características que nos distinguem enquanto humanos?
A tecnologia está a evoluir a um ritmo alucinante e eu, independentemente de alguns efeitos mais negativos, acho que o balanço é seguramente positivo e vai permitir evoluir de uma forma muito positiva e quase com um efeito exponencial pelo efeito combinatório que estas tecnologias têm.
A nível de saúde, da nossa qualidade de vida, desse ponto de vista, o balanço será seguramente positivo. Como referi, vamos ter alguns aspetos com os quais vamos ter que lidar, nomeadamente esta flexibilidade que vamos ter que exigir às pessoas do ponto de vista da adaptação a esta nova realidade.
Vamos ter que reconverter muitos profissionais que estão em determinadas áreas para outras áreas. Isto não é necessariamente uma coisa má, pode ser visto como uma coisa boa, no sentido em que a tecnologia nos está lá para ajudar e provavelmente aos humanos irão caber tarefas de maior valor acrescentado, mais criativas, mais relacionadas com capacidade de decisão, que obviamente as máquinas não nos vão possibilitar, não vão ter essa capacidade.
Vai sempre haver lugar para o humano, se quisermos, obviamente que vai exigir uma capacidade de adaptação a essa realidade dinâmica muito maior do que tem sido até agora. Diria que daqui a 10 anos vamos olhar para hoje, como hoje olhámos para há cem anos. Estamos a mudar a um ritmo alucinante.
*Este artigo foi originalmente publicado na edição do Dinheiro Vivo de 4 de novembro de 2018