Reputado investigador do Técnico explica-nos o que vale o computador quântico da Google e o que Portugal está a fazer para não ficar para trás.
Há muito que a computação quântica promete revolucionar a forma como as máquinas funcionam, processam informação e tornam-se uma ainda maior mais valia para a ciência, saúde, logística, economia e, em resumo, para a humanidade.
A semana passada a Google terá alcançado o que se chama de supremacia quântica, um marco histórico no campo da computação quântica. O estudo que o confirma foi divulgado no site da NASA e apagado pouco tempo depois, avançava o Financial Times.
No documento, a tecnológica afirma ter construído o primeiro computador quântico, que consegue realizar cálculos além da capacidade dos supercomputadores que existem atualmente. A publicação da Google alega que o processador quântico da empresa pode executar “em três minutos e 20 segundos, um cálculo que o computador clássico mais avançado de hoje, conhecido como Summit, levaria aproximadamente 10 mil anos” – uma demonstração da supremacia quântica, de acordo com os investigadores.
Falámos com Yasser Omar, um investigador português de origem indiana do Instituto de Telecomunicações e do Instituto Superior Técnico e que é membro do grupo internacional Physics of Information and Quantum Technologies. O experiente professor indica-nos que o resultado, a confirmar-se, “representará um marco muito importante na computação quântica”.
Omar explica que nunca, até agora, houve um computador quântico a resolver um problema “mais rapidamente do que um computador clássico”, naquele que é uma era de processamento bem distinto daquele que alimenta os computadores atuais. Mesmo que, para já, possa ser a resolução “apenas de um problema académico, eventualmente sem aplicação prática, mas ainda assim será um passo histórico no desenvolvimento desta nova forma de computação, que explora as propriedades da Física Quântica para processar a informação de forma mais rápida”.
O investigador licenciado no Técnico e com um Ph.D em Física na Universidade de Oxford admite mesmo que os autores deste trabalho de investigação “serão sérios candidatos ao prémio Nobel da Física”.
O que se está a fazer em Portugal na área
Yasser Omar é uma das referências portuguesas e europeias na área de computação quântica. O especialista admite que a área “ainda na sua infância, estando ao mesmo nível do que a computação clássica estava nos anos 50 do séc. XX, quando um computador ocupada uma sala inteira”.
O impacto da computação quântica, pode, assim, ainda estar longe. Depende de como correr, mas pode demorar anos ou até décadas “até termos um computador quântico a conseguir resolver problemas práticos, com impacto na nossa sociedade”. Apesar disso, admite que é fulcral “acompanhar e desenvolver esta área”.
Quem ficar de fora, pode ficar a perder e muito. Omar explica que “as próximas gerações de processadores quânticos poderão vir a pôr em causa a segurança da comércio electrónico e das criptomoedas, ajudar a desenvolver novos fármacos, resolver problemas de logística complexos, permitir melhor otimização de portfólios financeiros, ou ajudar a melhorar a navegação de carros autónomos”.
Daí que seja importante manter desenvolvimento nesta tecnologia mesmo em Portugal. O país “não pode ser apanhado de surpresa pelo desenvolvimento desta tecnologia, que tem também implicações de soberania”. Sobre o que se tem feito até ao momento, há uma trabalho já longo feito no Instituto Superior Técnico e no Instituto de Telecomunicações, “tanto no software quântico, como em aspectos do hardware quântico”.
Portugal está a contribuir para os objetivos ambiciosos da Europa nesta área: “Estamos envolvidos em vários projetos europeus neste domínio, assim como na liderança da Flagship in Quantum Technologies, um programa da Comissão Europeia, com um orçamento de mil milhões de euros para a década 2018-2027, para tornar a Europa um dos líderes mundiais nas Tecnologias Quânticas”.
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Computação quântica, muito além dos 0 e 1
Ao contrário dos bits num computador digital, que registam 1 ou 0, os bits quânticos – conhecidos como qubits – podem ser ambos ao mesmo tempo. Ou seja, têm um processamento completamente diferente dos computadores atuais, onde juntam outro fenómeno quântico conhecido como entrelaçamento, através do qual os qubits podem influenciar outros aos quais nem sequer estão conectados. Essa possibilidade abre caminho a que os sistemas consigam lidar com problemas muito mais complexos.
A expressão supremacia quântica continua a provocar alguma controvérsia no mundo da computação. O termo foi usado pela primeira vez em 2012 pelo físico teórico John Preskill. E o que significa? Diz respeita ao momento em que um sistema construído usando a nova tecnologia quântica pode resolver um problema que, para todos os efeitos práticos, é impossível ser resolvido pelo supercomputadores mais poderosos.
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