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Zuckerberg e Snowden querem, governos não. O bem (e o mal) da encriptação

Reuters

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Mark Zuckerberg voltou a defender a encriptação do Facebook (e Instagram) numa luta “pela liberdade de expressão”. Edward Snowden, o delator do NSA, concorda, tal como o programador português João Pina. Mas há governos contra por limitar papel da polícia contra criminosos. O que está em causa?

É uma das possíveis mudanças mais significativas e polémicas na forma como usamos na internet, mas que menos pessoas entendem (ou querem perceber). O termo encriptação, por si só, indica logo algo complexo. Na verdade é um termo que vem da criptografia (voltou à ribalta com os livros de Dan Brown, autor de O Código Da Vinci), referindo-se a uma construção que impede terceiros de lerem ou entenderem mensagens. 

Esta quinta-feira, Mark Zuckerberg fez um discurso de Mark Zuckerberg, na Universidade de Georgetown, em Washington D.C., já muito criticado onde faz a defesa da liberdade de expressão total precisamente com a ajuda da tal encriptação que deseja implementar nos serviços de mensagens do Facebook e do Instagram – no WhatsApp já existe. 

Esse desejo significaria, por exemplo, dar liberdade a que a desinformação se possa propagar sem controlo, inclusive informações falsas de políticos. O CEO da rede social com mais utilizadores do planeta, 2,4 mil milhões, admite que não quer que seja a sua empresa a decidir o que pode ou não entrar nas redes sociais e dá o exemplo da China e da censura. 

O discurso que Zuckerberg fez questão que fosse difundido – colocou inclusive em modo Facebook Live na sua página – põe a nu aquilo que o programador e analista de sistemas português João Pina admite que “é já uma questão filosófica” na sociedade “até porque sabemos que a encriptação pode ser usada para o mal”.

Por um lado, há o interesse do indivíduo em particular, “que vai sempre desejar ter a máxima privacidade possível, que a encriptação em teoria permite”. Por outro há o Estado, que prefere ter algum poder de controlo e não estar à escuras na hora de tentar encontrar quem pratica o mal. 

Voltando ao discurso de Zuckerberg, o CEO de 35 anos admite que queria ter os seus serviços na China, “mas nunca poderíamos concordar com o que é necessário para lá estar”. Também deixou uma alegação arrojada, indicando que poderia ter evitado a invasão do Iraque em 2003.

Seguiu-se um ataque à rede social chinesa TikTok, com sucesso já fora da China – atingiu os 500 milhões de utilizadores: “enquanto os nossos serviços como o WhatsApp são usados por manifestantes e ativistas em todo o lado, devido a uma forma encriptação e proteções de privacidade, no TikTok as menções a estes protestos são censuradas, inclusive aqui nos EUA (…) é essa a internet que queremos?”.

As declarações do líder do Facebook foram já bastante criticadas não só porque há provas de que Zuckerberg tentou entrar na China mesmo cedendo a pressões, mas também por há analistas e políticos que estão contra a tal encriptação – onde a senadora e candidata presidencial norte-americana Elizabeth Warren é uma das vozes. Um dos argumentos é de que iria tornar a luta contra a desinformação ou a investigação de crimes muito mais difícil.

No início deste mês, o diretor do FBI deixou um aviso claro: “os planos de encriptação do Facebook correm o risco de serem um sonho tornado realidade para quem se dedica à pornografia infantil”.

A dar força aos desejos de encriptação de Zuckerberg está Edward Snowden, o denunciador do caso NSA que revelou uma vigilância sem precedentes da organização norte-americana a cidadãos de todo o mundo. A viver há alguns anos na Rússia, o norte-americano que estará presente na Web Summit em Lisboa (via vídeo) escreveu esta semana um artigo de opinião categórico no The Guardian: “Sem encriptação vamos perder toda a privacidade. Este é o nosso novo campo de batalha”

Diz Snowden que os governos dos EUA, Reino e Austrália estão a enfrentar o Facebook (numa carta aberta pedem que se parem os planos de encriptação), “numa tentativa de prejudicar o único método que protege a nossa informação pessoal, a encriptação”. O delator já tinha explicado noutra situações que o que a sua denúncia mostrou foi que “não podemos confiar que um governo possa saber tudo sobre nós”. “Se os governos forem bem sucedidos na sua luta por não permitir a encriptação, a nossa infra-estrutura pública e as nossas vidas privadas estarão permanentemente inseguras”.

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Luta pela privacidade de cada um

O programador João Pina, conhecido como Tomahock no Twitter e um dos responsáveis pela associação de voluntários digitais em situações de emergência, VOST Portugal, bem como de outros serviços utilitários, percebe o receio dos governos, mas prefere a encriptação. “Sabemos que estas ferramentas também são usadas para o mal e, por um lado, gostava de acreditar numa evolução perfeita do mundo, mas acho que a minha privacidade não deve ser posta em causa”. 

João Pina, que também é analista de sistemas, admite que não é uma questão pacífica, mas considera que “a privacidade deve ganhar”. Para o indivíduo a encriptação traz a tal “paz de espírito de que ninguém intercepta ou usa os meus dados”, para os Estados há desvantagens para a “segurança nacional”. 

“Há casos onde sabemos já que o NSA [Agência Nacional de Segurança dos EUA] tentou introduzir backdoors [portas de acesso ao que parecia encriptado] para conseguir decifrar informação e ter acesso aos agentes maldosos na internet, mas podem ter acesso a tudo o resto e isso abre outro tipo de problemas”. Com os algoritmos atuais de encriptação, “será sempre muito difícil senão impossível” as agências de inteligência como a NSA terem acesso aos dados (conversas, ficheiros ou informação pessoal).

Alex Stamos na Web Summit de 2015, em Dublin

Ex-Facebook explica planos de Zuckerberg 

Chama-se Alex Stamos, esteve no meio da crise Cambridge Analytica, é o antigo responsável de cibersegurança (CSO) do Facebook e está agora no meio académico, como diretor do observatório de Internet de Stanford. 

Numa entrevista recente ao site de tecnologia Verge, de que abordámos com pormenor aqui, Stamos descortinou de forma curiosa e surpreendente os “prováveis” planos atuais de Zuckerberg, que quer tornar os quatro serviços que comanda (Messenger, Instagram, WhatsApp, Facebook) mais fechados e menos públicos pela encriptação.

Ou seja, tornar dessa forma a rede social mais popular do planeta (2,4 mil milhões de utilizadores mensais ativos) um pouco mais como o WhatsApp, “por ser uma tendência, mas também porque tira alguns problemas a Zuckerberg, que deixa de ter tanta responsabilidade na moderação de conteúdos”. Essa área de moderação ocupa já mais de 30 mil pessoas (triplicou em pouco mais de um ano).

Paddy Cosgrave abre Web Summit aos livros e fecha a Zuckerberg

Encriptação é privacidade, mas há um problema 

Com a aposta clara na encriptação e em tornar as redes sociais a seu cargo menos públicas, “há uma componente cínica associada”. Stamos considera que se está a pedir o melhor de dois mundos que não é possível cumprir de igual forma.

“Por um lado querem privacidade total nas redes sociais e que a própria plataforma não saiba nada dos utilizadores e por outro pede-se à empresa que mantenha as pessoas seguras. Não podemos ter essas duas coisas por completo”. Alex Stamos dá o exemplo do New York Times, que “num dia critica o Facebook por não encontrar todos os maus da fita e no outro dia critica por ter demasiados dados sobre as pessoas”.

Resumindo: “Quando damos às pessoas privacidade também estamos a dá-la aos maus da fita”. Um desses exemplos de privacidade (e liberdade) total é o polémico 8chan.

Moderação, como existe, “não é sustentável”

Ter cada vez mais moderadores a complementar sistemas de inteligência artificial para decidir o que pode ou não entrar nas redes sociais, para Stamos, também “não é sustentável”. O especialista explica depois que, historicamente, tem-se criada uma espécie de lista de 1 a 10, em que 1 é privacidade total e 10 é segurança total. “O Facebook tem tentado estar no meio desses dois extremos, mas isso não está a resultar porque abre a porta a que se seja criticado de forma intensa por quem defende o 1 ou quem defende o 10”.

O que vai fazer Zuckerberg? “Ele agora escolheu atirar os dados todos para um só lado. Usou dados para escolher o lado mais favorável ao Facebook: encripta tudo, torna quase tudo aparentemente efémero e maximiza assim a privacidade dos utilizadores”. Mas há um reverso da medalha, admite o especialista. “Mas assim tira força à segurança e à possibilidade de moderação de conteúdos, embora se proteja de algumas leis que estão a ser pensadas”.

Stamos indica que assim que uma plataforma tão grande começa a tentar moderar tudo, “não há fim à vista sobre o que cada um quer ver”. E dá exemplos: “que tipo de discurso é que vão pedir à rede social para controlar? Se entramos nesta maré temos de lidar com 97 regimes diferentes com ideias sobre tipos de discurso possíveis diferentes. A única forma de sair é pormo-nos numa situação onde temos de fazer o mínimo de moderação possível”. Essa, parece-lhe ser, a estratégia atual.

Sociedade ainda não decidiu o caminho

Como contexto geral, o ex-braço direito de Zuckerberg admite: “como sociedade, ainda não decidimos o quanto seguros as pessoas devem estar online e até onde queremos controlar as suas escolhas para os manter seguros… ou seja, não se definiu o tipo de segurança a ter”. Indica mesmo que é preciso perceber quem decide e quem executa. “Hoje em dia há um desejo por controlo do discurso dos outros que nunca houve numa era pré-revolução tecnológica”. E continua: “durante centenas de anos tentou-se ganhar liberdade no discurso político e social e agora há demasiadas pessoas a quererem controlar o discurso, algo que não era aceitável há uns anos”.

Devem as regras ser ditadas por atores democráticos ou pelo setor privado? Stamos deu o exemplo do governo americano, que não pode limitar o discurso nas redes sociais legalmente, mas outros já podem. A Austrália foi a primeira a seguir esse caminho, explica. E deixa ainda um aviso: “se o peso legal fica todo nas empresas elas vão responder às leis para se protegerem”.

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