O chairman do FCC, Ajit Pai, explica porque acabar com a neutralidade na internet traz vantagens aos consumidores e como a privacidade nas grandes tecnológicas vai ser regulada em breve com mudanças no Congresso.
É o primeiro americano de origem indiana (os seus pais são indianos) a ocupar um dos principais cargos de serviço público nos EUA. Aos 46 anos, Ajit Pai, esteve pela primeira vez em Portugal a semana passada para pressionar o governo português a afastar fabricantes chineses como a Huawei das suas redes de 5G – já publicámos essa parte da conversa.
Mas, o líder do FCC (Comissão Federal de Comunicações) dos EUA, que entrou no organismo nomeado por Barack Obama mas subiu ao cargo maior de chairman por nomeação de Donald Trump e na nossa conversa acaba por criticar a administração de Obama -, também nos explicou o caminho para algumas das maiores polémicas em torno da internet, a forma como a podemos consumir e a privacidade que podemos ter nela. Não é por acaso, já que Ajit Pai lidera um organismo que supervisiona várias destas áreas num país que é onde estão os grandes gigantes da tecnologia que têm dados pessoais sensíveis de mais de dois mil milhões de consumidores a nível mundial.
“Neutralidade é tirar competitividade”
Ajit Pai é um acérrimo defensor do fim da neutralidade na internet. Essa regra que é praticada na Europa – embora, em Portugal, a Meo ofereceu serviços de pacotes em que permitia uso limitado de pacote de dados em certas apps, algo que enfureceu a Anacom – foi banida nos EUA em dezembro de 2017. O chairman do FCC não tem dúvidas, apesar das previsões de que a internet como a conhecíamos ia acabar e que não ia funcionar, um ano depois “os resultados são notáveis”. “Saiu um relatório em dezembro de 2018, que mostra que as velocidades nos EUA subiram 40% num ano, há mais casas e negócios conetados à fibra em 2018 do que em qualquer ano e a infraestrutura das redes tem melhorado, em parte, porque há certeza regulatória”. Ajit Pai admite que, agora, os operadores de internet “sabem que os EUA tem uma abordagem mais leve”, consistente com a abordagem que houve entre 1996 a 2015. “Estamos confiantes que esta abordagem preserva a internet aberta que os consumidores gostam e a economia da internet precisa e que incentiva o investimento na infraestrutura, o que é necessária para criar as redes do futuro”.
Sobre o chamado zero rating (permitir que certos sites ou apps não tenham custos para o cliente), o responsável não vê “como oferecer algo gratuito aos consumidores seja de alguma forma alguma violação dos direitos do consumidor e da sua proteção”. Ajit Pai acredita precisamente no contrário, “tem sido uma forma das empresas se distinguirem nos EUA no mercado, ao dizerem que oferecem música, vídeo ou outras aplicações sem limites de dados”.
Foi assim que um operador recente cresceu bastante face aos outros dominantes e isso “tem sido o motivo pelo qual a maioria dos operadores nos EUA oferecem planos com dados ilimitados”, por causa “dessa pressão pela competitividade e porque foi excluída “a proibição zero rating”, agora têm liberdade de competir em preço mas também em serviços”.
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Mais controlo sobre Facebook e companhia
Se, por um lado, parece haver menor intervenção do Estado no tipo de serviços que os operadores oferecem na internet (algo que Ajit Pai contrapõe com o “maior poder que existe para penalizar práticas injustas ou enganadoras dos operadores de internet, que têm de cumprir princípios de maior transparência”), já sobre as grandes tecnológicas como Facebook e Google há uma “necessidade de atuar com leis mais restritivas”.
“Os regulamentos assimétricos que tínhamos antes, com a administração anterior, eram tolos porque deixavam de parte uma boa fatia da economia da internet”. Ajit Pai explica que os operadores de internet tinham regulamentos pesados, enquanto o que chama de edge providers (serviços disponíveis na internet como o que faz Facebook, Google ou Netflix) “tiveram um passe livre”. “O que estamos a ver hoje nos EUA é que, por reconhecimento bipartidário, os consumidores têm uma expectativa mais uniforme sobre a sua privacidade, independentemente da classificação dos regulamentos ou da tecnologia usada por um empresa”. O responsável do FCC admite que estas empresas conseguem informação sensível dos consumidores, que só pretendem que “essa sua informação fique protegida”. Daí que indique que o Google, Facebook e outras empresas, “agora vão ao congresso dizer que também já aceitam que sejam estabelecidos regulamentos que sejam aplicáveis a eles”.
E o que estão a fazer? O FCC não tem poder diretos sobre estas empresas, mas está a “trabalhar com o Congresso dos EUA” e houve inclusive, a semana passada, uma reunião para estabelecer metas sobre o tema. “Para garantir que, independentemente onde os consumidores vão na internet, a sua informação está protegida, tanto por operadores de internet como por empresas de tecnologia”. Ajit Pai não entrou em pormenores sobre como pensa regular e controlar estas grandes empresas, mas é possível que sejam usadas algumas ideias dos regulamentos europeus, incluindo o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD).