A inteligência artificial está a mudar o mundo. Na liderança desta revolução estão Fernando Pereira na Google, Manuela Veloso no maior banco americano, JP Morgan, e Pedro Domingos na Universidade de Washington. Três portugueses em lugares de topo nos EUA revelam o que estão a fazer acontecer.
Por Cátia Rocha, João Tomé e Rui da Rocha Ferreira
São três portugueses considerados referências mundiais no tema do momento e que promete mudar a forma como vivemos: a inteligência artificial (IA). Fernando Pereira, 66 anos, é vice-presidente da Google; Manuela Veloso, 61, é uma investigadora diretora de IA no banco JP Morgan; e Pedro Domingos, 53, é professor na Universidade de Washington. Todos nasceram na zona de Lisboa (Fernando é de Queluz), estudaram no Instituto Superior Técnico e partiram para os EUA para estudar, investigar e desenvolver IA.
Filha de um engenheiro mecânico e de uma doméstica, Manuela Veloso cresceu rodeada de edifícios na Lisboa do final dos anos 60, entre a Avenida de Roma e o Campo Pequeno. Desde cedo que a sua paixão era a matemática. Este verão iniciou uma aventura como responsável de IA do maior banco americano, JP Morgan, depois de quase 30 anos como professora e investigadora na Universidade Carnegie Mellon (CMU), em Pittsburgh, na Pensilvânia. E logo ela que nunca quis nada com tecnologia.
Judite Barros é o nome da professora do Liceu Dona Leonor que lhe alimentou a paixão pelos números com capacidade de resolver problemas. Seguiu-se, no final dos anos 70, o curso de Engenharia Eletrotécnica no Técnico. E só no mestrado conheceu as maravilhas da IA. “Uma empresa privada pediu à universidade, numa altura em que os computadores começavam a crescer, para informatizar a sua operação”. Manuela defendeu uma tese sobre bases de dados.
“Comecei então a pensar no mundo de coisas que podia melhorar com a automação, por isso, parti para a Universidade de Boston para um mestrado em ciência dos computadores”. Seguiu-se o doutoramento na CMU em inteligência artificial. A partir de 1992, a robótica permitiu-lhe desenvolver e melhorar o que chama de três áreas de inteligência: capacidade de perceção (com sensores), capacidade de tomar decisões e a ação – concretizando as decisões.
O jazz e os sistemas de som de alta fidelidade são uma paixão de Fernando Pereira. Quando era criança, sonhava ser cientista. Cresceu em Alvalade, em Lisboa, e não foi longe de casa que começou o percurso académico. Ingressou no Técnico, no curso de Engenharia Eletrotécnica, que viria a trocar pela Matemática, na Faculdade de Ciências, onde concluiu a licenciatura. Doutorou-se em IA na Universidade de Edimburgo, na Escócia, em 1982.
Em 2001, a Google estava literalmente de olho nele. E novamente em 2006. O português sentiu que não era o momento – não queria influenciar os estudos dos dois filhos. Em 2008, finalmente, decidiu-se. “Se queria pôr em prática muitas das ideias que tinha, a Google seria o ambiente mais favorável”.
O papel de Fernando Pereira mudou muito na última década. No início estava focado “em um ou dois projetos”, agora, enquanto vice-presidente, são as tarefas de gestão que lhe consomem mais tempo. Especialista em processamento de linguagem natural, o português tem um dos papéis mais importantes no ecossistema da empresa. Se o YouTube e o Google Assistant percebem cada vez melhor os utilizadores, a influência de Fernando e da sua equipa é inegável.
Pedro Domingos – filho de José Delgado Domingos, que foi uma das vozes da ciência contra o nuclear em Portugal – prefere navegar pelo mundo académico. É lá que acredita poder contribuir para a Humanidade chegar a um estado onde os “computadores possam fazer mais com menos ajuda dos humanos”.
Além de desenvolver investigação para melhorar os algoritmos de aprendizagem automática, que tantas vezes permitem a interação entre humanos e máquinas, o português dá aulas na Universidade de Washington, desde 1999, após a docência no Técnico. Já viu passar pelas suas aulas algumas das mentes que vão alimentar as ambições de empresas como Google, Microsoft ou a IBM – onde a aprendizagem automática e a IA têm vindo a assumir um papel fulcral.
A investigação a caminho do algoritmo perfeito
Pedro Domingos é professor na Universidade de Washington, investigador na área da aprendizagem automática e acredita que é no meio académico que é possível trabalhar para chegar a um estado onde “os computadores possam fazer mais com menos ajuda dos humanos”.
Na vida de Pedro Domingos há um claro momento de mudança: a introdução do ramo de informática no Instituto Superior Técnico, no seu segundo ano de licenciatura de Engenharia Eletrotécnica, conta, durante uma chamada de Skype, feita a partir de Seattle, nos Estados Unidos.
“Rapidamente conclui que os computadores é que eram o futuro e que isso me ia interessar”. Ainda durante a licenciatura, encontrou um livro curioso, com inteligência artificial no título.“Parecia quase uma contradição, como é que a inteligência podia ser artificial?! Li o livro e achei fascinante, achei que o essencial era a aprendizagem automática. Se formos capazes de ter isso, o resto vem por consequência”, recorda o professor universitário, notando também que se tratava de uma área ainda “primitiva”, mas com “um grande potencial de impacto”.
Começava assim uma investigação – a de encontrar um ponto no globo onde se desenvolvesse o estudo da aprendizagem automática. Na altura, as duas localizações de maior relevo ficavam nos Estados Unidos: em Carnagie Mellon, em Pittsburgh, ou em Irvine, na Universidade da Califórnia. A escolha recaiu na segunda opção, onde Pedro Domingos acabaria por fazer o doutoramento em aprendizagem automática.
Pelo meio, o português de 53 anos desenvolveu investigações na área da Inteligência Artificial (IA) e aprendizagem automática, no desenvolvimento de algoritmos, assinou centenas de artigos académicos, mudou-se para a Universidade de Washington e conta ainda com quatro livros no currículo.
O mais reconhecido, ‘A Revolução do Algoritmo Mestre – Como a Aprendizagem Automática está a mudar o mundo’, lançado originalmente em 2015, já foi traduzido para várias línguas e figura nas estantes de Bill Gates, o fundador da Microsoft, ou de Eric Schmidt, um nome forte da Google. Mais recentemente, foi também encontrado na estante de Xi Jinping, presidente da China.
Pedro Domingos reconhece que há diferenças territoriais na forma como se olha para a tecnologia e, principalmente, para a IA, ainda que ache os portugueses “otimistas” em relação à tecnologia.
“Os europeus são mais céticos do que os americanos. Acho que tem a ver com o facto de a Europa estar mais ligada ao passado e a América ao futuro, porque é um país jovem, tem menos História, as pessoas estão habituadas à mudança”.
Como resultado concreto disto, aponta duas grandes questões: uma delas é a origem das maiores tecnológicas globais. “Nenhuma é europeia, são americanas ou chinesas. Em termos de investigação, a Europa sempre esteve avançada, mas em termos de transformar isso em empresas, não se tem visto grandes resultados”, aponta.
Ao contrário de Manuela Veloso ou Fernando Pereira, Pedro Domingos mantém-se exclusivamente no mundo académico, embora não esconda que já recebeu “muitas propostas de empresas e, de facto, algumas delas tentadoras”. Mas a resposta está na palavra ‘impacto’. “O mais importante é ‘qual o impacto que o meu trabalho vai ter?’ Trabalhar nas empresas pode ter grande impacto a curto prazo, mas os algoritmos de aprendizagem que temos hoje são ainda muito primitivos. Penso que o maior impacto, a longo prazo, será o de desenvolver algoritmos de aprendizagem melhores do que os que temos hoje. E, para esse tipo de trabalho , o melhor sítio continua a ser a universidade”.
Refere utilizar IA “de manhã, à tarde e à noite”, explicando que as pessoas estão rodeadas de aprendizagem automática e IA, mesmo que não se apercebam disso. “Quando a pessoa está na Internet ou a interagir com um computador, a probabilidade de que esteja a interagir com aprendizagem é muito alta, as pessoas ainda não se deram foi conta disso”. Pedro Domingos reconhece que há preocupações sobre a tecnologia que, ainda assim, são transversais: “o emprego, a privacidade, o potencial para a discriminação, o perigo de as máquinas tomarem conta do mundo… Todas estas questões estão na cabeça das pessoas”.
Mas na Europa, segundo Domingos, há uma “péssima ideia”, com uma sigla que já deu várias dores de cabeça – o RGPD (Regulamento Geral de Proteção de Dados).
“É uma lei extremamente má para o desenvolvimento das tecnologias digitais. Impõe uma série de coisas que, embora seja com boa intenção, tem o efeito de retardar e dificultar o desenvolvimento da tecnologia.”
“As grandes aplicações dos dados são para fins que as pessoas não tinham imaginado”, explica. “E todo o mercado dos dados e do digital tem a ver com existir propagação de informação. Portanto, esta lei sozinha pode potencialmente matar esse mercado”.
Pedro Domingos reconhece que a “IA tem um potencial extraordinário para coisas boas, mas infelizmente também tem para as más”, mas acredita que, “a longo prazo as coisas boas vão prevalecer – mas só se quisermos que isso aconteça”.
A grande mestra lisboeta da Ordem dos robôs
Manuela Veloso passou pela fase da pré-história dos computadores, quando fazia mestrado e doutoramento; pela era da internet, “que trouxe uma mudança radical que levou a que tudo passasse a ser digital”; e pela era móvel do iPhone, das fotos fáceis e das apps. “Evoluiu-se imenso e agora temos mais conhecimento disponível a todos e muitos mais dados”. O reconhecimento de imagens, a tradução automática, a inteligência nas pesquisas e nas recomendações feitas à medida de cada um está por todo o lado, daí que diga: “É fascinante ver a evolução porque antes, por exemplo, era um pesadelo para que um robô reconhecesse os objetos que estavam à sua volta e hoje em instantes tem acesso a milhares de imagens”.
O desafio é agora diferente e passa por fazer com que o tratamento de dados seja mais inteligente e eficiente, ao ponto de poder justificar as decisões ou recomendações que dá. “Pouco se tem feito nesta área.” Manuela quer ver sistemas como o Google Maps ou mecanismos que determinam se alguém vai ter acesso a um cartão de crédito, a explicar porque escolheram essa opção e não outra. “Ao serem transparentes, esses sistemas estão a mostrar que valores têm e são mais justos e imparciais”. É este o tema que lhe tira o sono por estes dias. “Como é que fazemos um algoritmo justificar-se e explicar o processo?” O ‘cérebro’ das máquinas “busca melhor do que o dos humanos”, mas explica pior como lá chegou.
Desde julho que está numa licença de dois anos do seu cargo de professora na CMU em Pittsburg por ter aceite o desafio da JP Morgan, mas continua ligada à Universidade. Vai cuidando à distância dos seus robôs Cobots e acompanha 10 estudantes de doutoramento e três de mestrado. Deixou de dar aulas, passou a viver em Nova Iorque desde julho e daqui a dois anos avalia o que fazer.
E como é que chegou à JP Morgan? Admite que há uma luta por quem inova mais e está lá porque “eles queriam alguém com visão ampla que gerisse a investigação”, daí que esteja a reunir um grupo de investigadores. “Vamos escolher alguns dos 600 engenheiros na área de inteligência artificial (IA) da JP Morgan e contratar pessoas novas. Não há limites, pode ter 40, 100 ou 200”. O seu objetivo será desenvolver sistemas autónomos que podem ajudar a criar novas áreas de negócio. “Quero melhorar a parte da tomada de decisão dos sistemas, que possam reforçar a sua aprendizagem graças a feedback que vão tendo”. Daí que dê o exemplo, “quero um sistema de IA que não faça só a previsão do preço das ações de amanhã, mas possa ajudar as pessoas a tomar decisões consubstanciadas”.
“Devemos poder chegar a um restaurante, mostrar o menu ao nosso assistente digital e ele recomendar o prato certo consoante o que comemos noutros dias, o que gostamos e o que nos faz bem à saúde”
Os ganhos de IA para comum dos mortais
E o utilizador comum, em que é que pode beneficiar no futuro da IA? Manuela espera que as assistentes pessoais digitais como a sua Alexa – já não vive sem a Alexa de manhã e já não limpa o chão de casa há 15 anos graças à robô Roomba –, os robôs e os sistemas de IA em geral que já se vêm na Google, Amazon, Uber e Netflix evoluam e cheguem a outras áreas. Para que escola o meu filho deve ir? Um sistema pode analisar onde a pessoa vive, o que a criança gosta e fazer a melhor recomendação “porque a maior parte das decisões são hoje feitas com base na intuição e nas conversas com conhecidos, falta uma base de dados em que confiem e a que possam recorrer”. Onde devo ir de férias? O que devo estudar e onde? O IA vai poder personalizar a educação para o nível de conhecimentos da pessoa, tal como vamos poder personalizar a prática de medicina com doses de medicamentos à medida de cada um.
“Devemos poder chegar a um restaurante, mostrar o menu ao nosso assistente digital e ele recomendar o prato certo consoante o que comemos noutros dias, o que gostamos e o que nos faz bem à saúde”. Manuela, que adora cozinhar comida portuguesa e já quase só lê em ecrãs, fica fascinada com os novos serviços que vão surgindo e destaca a Didi Chuxing: “a Uber chinesa faz previsão das zonas que vão precisar de mais transportes e demoram apenas dois minutos a chegar”. Gostava de ver isso aplicado a outros serviços para evitar filas enormes em locais como os serviços públicos. “Há falta de previsão. Por exemplo, no Natal é fácil perceber que vão haver mais pessoas em certos serviços.” Nesse aspeto a China “está muito avançada em vários serviços por ter muito dinheiro e ser uma aposta estratégica”.
Sobre a ética na IA, Manuela desvaloriza um pouco os alertas de Elon Musk. “O IA não é um problema resolvido, não está acabada. Está em construção, por isso, todos os problemas que surgem a nível legal fazem parte de melhorar os processos”. Há muito para fazer, daí que “todas as crianças devem estudar IA porque vão ser precisas muitas cabeças humanas para esta área.” Segue com fascínio o desenvolvimento de startups portuguesas como a Unbabel ou mesmo a Uniplaces e congratula-se com Portugal aderir à moda dos jovens abrirem startups. A nível internacional admite que a Google está à frente do Facebook ou da Amazon em IA e que a China tem projetos incríveis. Elogia a empresa DeepMind, que pertence à Google, e os avanços na medicina. Fala ainda que os seus Cobots são mais inteligentes dos que os incrivelmente ágeis robôs da Boston Dynamics, do seu velho conhecido professor (Mark Raibert).
A importância de ser mulher a liderar nos EUA
Os anos de investigação nos EUA e de prémios fizeram-na esquecer um pouco a importância que tem ganho. “Vinha no avião de volta a Portugal para as férias e a pensar como é relevante ter uma portuguesa a gerir a IA da JP Morgan”, explica Manuela que passou umas semanas de agosto entre o norte e o Algarve a ver amigos e família. Ser mulher é algo tornou o seu percurso um pouco mais difícil. “Nunca liguei muito a isso porque venho de uma família onde não importa se é homem ou mulher, mas tive várias reuniões onde as opiniões dos homens é que eram valorizadas”. Daí que hoje, já em cargos de chefia, já reclame os méritos das duas ideias quando assim tem de ser. “Há homens que não estão habituados a ter mulheres com opiniões ou papéis de relevo”.
Fala com orgulho dos seus Cobots (robôs autónomos), que andam pelo escritório sozinhos, entregam encomendas e interagem com quem passa. Um dos projetos que está a ser feito desde o início deste ano, em parceria com a Sony, são robôs que possam preparar e entregar comida, um desafio complicado “que vai demorar anos”. Já conseguiu que os Cobots peçam ajuda quando precisam e expliquem o que lhes aconteceu.
O desafio agora é que os robôs possam detetar anomalias, acidentes e os imprevistos e, no limite, chamar o 112. “Um robô que anda por um hospital ou centro comercial pode reportar uma rotura de água ou um fogo”. Só quando chegarmos aí “teremos robôs e sistemas verdadeiramente inteligentes”. Dá ainda o exemplo dos carros autónomos: “estão a ser testados e não fazem mais nada que não executar as tarefas previstas, se alguém gritar por ajuda ao lado de um carro destes a pessoa é ignorada, mas não tem de ser assim”.
O homem na cadeira de sonho da inteligência artificial
Quando entrou na Google, Fernando Pereira estava focado “em um ou dois projetos”. Agora, enquanto vice-presidente, coordena desenvolvimentos para os maiores serviços da empresa, como o YouTube e o Google Assistant.
Durante uma das conversas com a coluna inteligente Google Home, um utilizador partilhou com a assistente digital que era alérgico a amendoins. Quando um dia mais tarde pediu à coluna uma sugestão de uma receita e os amendoins faziam parte da lista de ingredientes, não ficou muito contente.
A história chegou até Fernando Pereira. “É uma inferência muito simples, mas que as nossas máquinas não conseguem fazer de forma fiável”, explica. “O nível de compreensão que os computadores têm daquilo que as pessoas pedem e dizem é extremamente limitado”.
O grande desafio, diz, está na forma como a complexidade do mundo real e das experiências das pessoas são refletidas em termos linguísticos. “É um dos aspetos mais profundos do significado das palavras e das frases. Esse nós ainda não atingimos e não vamos atingir, ainda precisamos de saber muito mais, experimentar muito mais”.
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A frase é poderosa, sobretudo vinda do vice-presidente e líder de investigação em linguagem natural daquela que é, para muitos, a empresa mais avançada do mundo em inteligência artificial (IA): a Google. Fernando Pereira está numa posição no mundo da IA que pode ser considerada como a ‘cadeira de sonho’.
Recentemente a Google espantou tudo e todos ao demonstrar como um robô, com uma voz e nuances dignas de um humano, conseguiu fazer uma marcação por telefone num cabeleireiro.
Para a construção desta ferramenta, conhecida como Google Duplex, contribuiu o trabalho de investigação que Fernando Pereira e a sua equipa – que ronda as 600 pessoas – estão a fazer. O especialista português lidera a criação de algoritmos e modelos estatísticos que depois são combinados com os desenvolvimentos de outras equipas – a conjugação de esforços é fundamental na gigante de Mountain View. Se houver mercado, então temos um produto novo.
O único serviço que é desenvolvido na totalidade pela equipa de Fernando Pereira é o Google Translate. Enquanto falava à Insider, contou como estava satisfeito por ter visto que durante o Mundial de Futebol, na Rússia, esta tinha sido uma ferramenta indispensável para muitos turistas.
Mas o que hoje parece uma tecnologia revolucionária vai ter, na opinião do português, um impacto ainda maior nas gerações mais novas. Outra história que Fernando conheceu foi o de uma criança que estava a usar a coluna Google Home como ajuda nas primeiras aulas de espanhol. ‘– Hey Google, como se diz adeus em espanhol? – Adiós!’.
“Este tipo de interação talvez vá mudar a forma como as novas gerações aprendem, desenvolvem e criam o seu próprio modelo do que é a realidade social e técnica. É aí que estão as mudanças mais profundas: nas novas gerações, como facilitamos a sua aprendizagem espontânea”, explica.
Fernando Pereira considera-se um otimista relativamente à IA, mas há questões que o preocupam, como o enviesamento mostrado por alguns algoritmos relativamente à informação que devolvem ao utilizador.
“Dedico muitas horas a esse problema. Quando nós olhamos para esses enviesamentos algorítmicos, temos que pensar que o verdadeiro enviesamento é nas estruturas sociais, mas depois é refletido pelo algoritmo. Temos de pensar quais são as decisões sociais, políticas e éticas que devem ser aplicadas para eliminar esses enviesamentos”.
A tecnologia pode ajudar a equilibrar uma balança que socialmente está desequilibrada há centenas de anos. Criar grupos de análise que sejam abrangentes (em termos de idade, sexo e região) é uma forma de combater este problema.
Outro elemento fundamental é a questão da transparência – não basta que as máquinas sejam inteligentes, têm de se saber explicar. “Penso que é importante que todas as máquinas providenciem explicações sobre a sua função”.
“Estamos a investir muito em como podemos fazer esta tecnologia mais capaz de se explicar a si própria. Não é simplesmente fazer algo – é dizer porque é que o faz. Isso vai facilitar a interação, o uso e vai tornar as pessoas mais confiantes, pois percebem como a tecnologia está a ser usada apropriadamente”.
Em 2017, no encontro anual de programadores, a Google anunciou que a sua principal prioridade deixaria de ser os dispositivos móveis e seria a IA. À medida que este domínio ganha maior relevância dentro da Google, pode um dia Fernando Pereira chegar ao cargo de CEO de uma das maiores empresas do mundo?
“Não sei. A minha vida já tem menos aspetos técnicos do que eu gosto”, começa por dizer. “Na Google tenho espaço para criar muitos projetos diferentes, para experimentar, para fazer coisas novas”. Fernando confessa que nunca imaginou ocupar um cargo de tão grande importância – a sua preocupação é outra. “O que me preocupa é ter a certeza de que o que fazemos na Google tem um valor positivo para o mundo”.
Este artigo faz parte da edição número 2 da Insider, referente ao mês de agosto/setembro de 2018, disponível em banca durante todo o mês – conheça mais destaques da revista.