Depois de criar o ‘cérebro’ do CIMON-2 para ajudar astronautas na Estação Espacial Internacional, IBM faz testes para usar a mesma tecnologia a ajudar idosos a estarem mais seguros e menos sozinhos em tempo de pandemia.
O conceito não é novo e a ficção científica há muito que nos fez acreditar que esse seria um futuro viável e possível: o de robôs ou sistemas robotizados poderem ser uma ajuda e uma companhia terapêutica em isolamento, no espaço ou na vida na Terra. É esse conceito (visto já, em parte, nas colunas e smartphones com assistentes digitais de Google, Apple e Amazon) que a IBM, após criar um robô chamado CIMON-2 para ser uma espécie de terapeuta para os astronautas da Estação Espacial Internacional (EEI), está a testar com idosos isolados em plena crise pandémica. O objetivo? Ter uso comercial.
“O potencial é incrível especialmente agora, durante a crise pandémica, em que tantos familiares têm receio de visitar os parentes mais velhos e devem ter novas ferramentas para os monitorizar à distância”, explica Heather Fraser, responsável em Saúde e Ciências da Vida da IBM, numa mesa redonda da IBM a que o Dinheiro Vivo teve acesso.
A IBM tem uma longa história com programas espaciais e tem sido da tecnologia espacial que têm evoluído algumas inovações que mudaram a sociedade: dos chips dos computadores, aos portáteis, passando pelas câmaras dos telefones, LEDs, exames TAC ou sapatilhas. Atualmente o pequeno robô flutuante CIMON-2 é o assistente de bordo que acolhe comandos de voz dos astronautas na EEI e segue algumas instruções. Também vai ler passagens dos manuais da nave e listas de tarefas, bem como filmar a execução de algumas dessas tarefas (na próxima geração terá braços e irá efetuar tarefas físicas).
A Airbus fez o hardware e a IBM dá-lhe o ‘cérebro’ pela plataforma de inteligência artificial Watson. Além de entender as instruções dos astronautas e fazer pesquisas por eles, o CIMON-2 tira conclusões do seu estado emocional, se estão calmos, brincalhões ou frustrados, para já, apenas através de análise linguística.
O CIMON-2 é um dos projetos mais mediáticos com ‘cérebro’ Watson, mas está longe de ser o único. Começou por ser usado a responder a questões de videojogos, mas tem inúmeras utilizações em diferentes indústrias na atualidade, da gastronomia, à saúde, passando pela aeronáutica, isto numa evolução constante do sistema robótico com capacidades de perceber linguagem natural e usar machine learning (inteligência artificial) e capitalizar assim de forma mais eficiente e produtiva a receção de dados da chamada IoT ou Internet das Coisas (de sensores conetados).
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Se já há vários usos em hospitais que mostram como o processamento de dados de um paciente pode personalizar os seus tratamentos, tornando-os mais eficazes, o Watson também já ajuda robôs como o Sanbot Elf, dando-lhes capacidades de entreter idosos em lares e deixar-lhes lembretes de quando tomar medicamentos, por exemplo.
Robôs que atuam de acordo com as emoções humanas
Judith-Irina Buchheim, anestesiologista e investigadora médica da IBM, tem estudado a ligação entre o stress e o sistema imunitário e a forma como o assistente digital pode ajudar a reduzir a pressão dos astronautas. “Eles têm tendência em esconder as emoções no espaço, mas há sensores que permitem reconhecer pelas suas expressões e até pelas suas pupilas os níveis de fadiga e dar conselhos sem interferir em demasia na sua própria determinação e liberdade, até porque é algo delicado e que ainda não implementámos”.
A ideia passa por dar técnicas terapêuticas para aliviar os astronautas, funcionando até como um confidente que ajuda a melhorar a saúde mental e combater a solidão, algo mais premente à medida que as viagens espaciais podem-se prolongar ainda mais no tempo (ida a Marte trará essa realidade, inclusive de ausência de comunicação com a Terra).
Heather Fraser admite que este tipo de sensores tem uma aplicação prática já a decorrer, em parte, num projeto piloto em Itália ainda sem o robô CIMON propriamente dito, mas usando já o sistema inteligente Watson e vários sensores ligados a ele (Internet das Coisas). “Implementámos algumas destas tecnologias espaciais não invasivas numa comunidade de uma aldeia com pessoas idosas e permitiu que os vizinhos tivessem de olho uns nos outros”. Há sensores de movimento nos corredores, na sanita ou na cama. Monitoriza-se a qualidade do sono, idas ao wc, a qualidade e temperatura do ar e possíveis quedas, emitindo alertas a enfermeiros ou vizinhos.
O que permitiu? “Que idosos e familiares se sentissem melhor e mais seguros mesmo vivendo sozinhos, percebendo que as suas vidas são protegidas e há alguém atento a elas”. A ideia passa por colocar mesmo um robô, ou assistente digital, integrado na casa para também poder entreter um idoso (tem uma cara) e dar-lhe até companhia, como o CIMON-2 faz com os astronautas.
“Ajuda a pessoa a manter uma rotina (inclusive tomar medicamentos) e dá alertas se a água ao lume já ferveu, por exemplo”, explica Fraser que admite que será como ter uma enfermeira 24 horas por dia, sete dias por semana. Isto além de emitir alertas para familiares e pô-los em contacto direto com a pessoa e, se isso não resultar, avisar um vizinho de que se passa alguma coisa.
A investigadora admite que é mais difícil conseguir que idosos usem a tecnologia e se sintam à vontade com ela, do que acontece com os astronautas (que se preocupam mais com a privacidade e o uso das imagens), mas tem havido boas surpresas na relação entre idosos e robôs e o projeto tem tudo para se tornar num sucesso comercial na Terra, diz Fraser que admite uma expansão em testes feitos em outros comunidades nos próximos meses.
A IBM tem em Portugal Centros de Inovação de Tomar, Viseu e Fundão e, desde 2018, começou a desenvolver uma versão do sistema de inteligência artificial Watson em português de Portugal.
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