A Motorola Solutions quer “trazer a segurança pública para o século XXI”. Como? Com tecnologias como machine vision, reconhecimento de voz e inteligência artificial, num mundo onde ser mais rápido e eficiente pode salvar vidas.
A Motorola Solutions completou no final do ano passado 90 anos de atividade, num negócio assente nas soluções de comunicação crítica, como desastre naturais, incêndios ou acidentes. Até aqui, o negócio das comunicações através de rádio tem sido a peça-chave da empresa – mas a transformação digital também entra neste mundo. Pela primeira vez em 90 anos de vida, a Motorola Solutions tem um responsável especificamente virado para a área de software: Andrew Sinclair.
O britânico reconhece entre risos que se “sente pressionado” pela tarefa. Sinclair ocupa o cargo de corporate vice-president and general manager da Motorola Solutions, com um historial de empresas como a Microsoft ou a Siemens no currículo.
“Há uma grande oportunidade para transformar a Motorola Solutions de um negócio analógico, de operador de rádio, para um negócio de software como serviço. E estamos a conduzir a transformação digital, tal como está a acontecer no restante mundo corporativo”, onde Sinclair reconhece que existe “um grande campo de oportunidades”.
A missão está definida: “trazer a segurança pública para o século XXI”, mas o responsável reconhece as claras diferenças entre territórios e o facto de “as forças de segurança pública estarem a aprender a usar novas tecnologias”, ao mesmo tempo em que a fabricante de soluções de comunicação crítica ainda as está a desenvolver.
A juntar a toda a especificidade do negócio, Andrew Sinclair ainda aponta outra alteração ao negócio: o RGPD (Regulamento Geral de Proteção de Dados), que implica algumas alterações às soluções. Durante a conversa com a DN Insider, Andrew Sinclair estava acompanhado por Juan Manuel Rodriguez, diretor-geral da Motorola Solutions para Portugal.
O responsável para o mercado nacional recorda “uma iniciativa do Ministério da Administração Interna, para os polícias usarem câmaras nas fardas”, iniciativa que está “à espera do RGPD, para perceber se os polícias podem usá-las ou não”.
Juan Manuel Rodriguez indica que “Portugal está a dar os primeiros passos” no mundo da comunicação crítica – mas o RGPD revelou-se uma entrave. “A tecnologia existe, o software e algoritmos já existem, mas não podemos usá-los porque a lei não permite avançar”. Mas isto não é exclusivo do território nacional. “Tanto quanto sei, os governos estão a trabalhar nesse campo, porque a ameaça do terrorismo existe e as catástrofes naturais também. O ponto principal é que a tecnologia pode fazer as coisas, mas temos de seguir a lei – e é assim que as coisas são”, indica.
Andrew Sinclair reconhece que a empresa está habituada a estas adaptações à regulação de cada território, já que a Motorola fornece soluções de comunicação crítica a cerca de cem países, com Portugal incluído. “A Motorola Solutions não é nova neste mundo, estamos muito habituados a trabalhar com governos e legislação. E há legislação que ajuda a segurança pública mas que também protege os direitos das pessoas, como a privacidade, mas também queremos ter a certeza de que desenvolvemos a tecnologia da forma certa, para que funcione com os governos locais. As oportunidades são tremendas, só temos de ter a certeza de que estamos a trabalhar com os governos locais para que isto se enquadre na regulação de cada território”.
Desenvolver software lado a lado com as forças de segurança
Uma das grandes preocupações da empresa passa por garantir que as soluções que fornece são adequadas aos procedimentos de cada força de segurança. Andrew Sinclair explica que, por cada venda, é criada uma equipa para ajustar a solução aos procedimentos. “É uma espécie de padrão que vemos a acontecer: passar tempo com a equipa com que se vai trabalhar, com a agência, e criar uma solução personalizada para cada cliente”.
O objetivo final é claro: garantir que as forças de segurança tiram partido da tecnologia para ser mais eficientes, numa atividade em que os segundos podem fazer a diferença entre uma operação bem sucedida ou não. “O polícia do futuro vai ser altamente ‘aumentado’ com tecnologia que os torne mais inteligentes, rápidos e mais seguros”, explica Andrew Sinclair.
Para chegar a esse estado, Sinclair acredita que “a inteligência artificial e machine vision vão ter um papel muito mais relevante”. Como? Com IA que possa ser usada naquilo que descreve como “a Alexa para a segurança pública”, por exemplo. No mundo da Motorola, chama-se Virtual Partner.
“Quando um agente chega a algum incidente, há normalmente alguém que o está a avisar daquilo que está a acontecer, através do rádio. A IA permitirá, por exemplo, ter um agente a dizer o número de uma matrícula e a ter IA a dizer-lhe tudo o que é possível saber sobre a matrícula, a pesquisar informação em segundos”.
Mas não ficará apenas por aqui. “Também estamos a desenvolver soluções para as salas de comando. Por exemplo, somos muito centrados na voz e estamos a desenvolver uma solução que permita tornar tudo isto em texto e a garantir que tudo é digitalizado e analisado. E se estas análises pudessem tornar tudo mais rápido, a direcionar o profissional correcto? Podia-se transformar o guião genérico e a fazer as perguntas de uma forma mais rápida”.
“Esperamos começar a dotar as forças policiais de mais informação. Aí também entram as câmaras corporais, por exemplo, que vão funcionar como um segundo par de olhos e ouvidos para o agente. E isto é tanto para o agente se manter seguro como para manter os cidadãos a salvo”, ressalva.
“Há coisas que ainda não existem, mas estamos a construí-las”, explica o head of software da empresa. “A ideia é que os centros de comando possam ter a maior quantidade de informação possível, da forma mais rápida possível”. É nestes centros que uma parte vital da atividade decorre: o processo de triagem, para que os agentes possam responder às situações da melhor forma possível. “Se perdem menos tempo a perceber aquilo que é dito, mais calmos estão e podem usar esse tempo para a resposta mais adequada”, explica Andrew Sinclair, acrescentando que “os agentes estão a tomar decisões críticas em todos os momentos”, seja no terreno ou nos centros de comando.
“É um trabalho que vai muito rapidamente de um estado de aborrecimento para um nível intenso de stress. E há muito que acontece nos call centers. O que podemos fazer é garantir que o uso deste software é simples e garantir que há processos de transcrição para conseguir diminuir o stress”.
Andrew Sinclair reconhece que não é possível saber na totalidade por onde o software deste género pode ir, mas tem a certeza de uma coisa: “há coisas que ainda não existem, mas que estamos a trabalhar para as construir”.
Este desenvolvimento de novas soluções assentes na tecnologia é feita em localizações como a Polónia ou o Reino Unido, com um forte foco no talento jovem. Mas é fácil atrair os talentos tecnológicos para este mundo da segurança? Andrew Sinclair explica que a mudança geracional está, de alguma forma, a facilitar a tarefa. “Está a ser mais fácil atrair talento quando se trata de uma carreira onde as pessoas sentem que podem fazer a diferença e ter impacto”.
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