O fundador, mentor e presidente executivo do grupo Alibaba espalhou lições de empreendedorismo e de vida no VivaTech, em Paris, onde o ouvimos. Jack Ma não percebe o medo atual dos EUA face à China e pede: “deixem a inteligência artificial em paz”. (pode ler aqui a segunda parte da participação de Ma, sobre empreendedorismo)
As suas palavras têm eco um pouco por todo o mundo (há uma semana defendia dias de trabalho de 12 horas diárias e seis dias por semana). É chinês, mas há muito que fascina noutras latitudes. Jack Ma, tem 55 anos e é o líder do Grupo Alibaba, o maior marketplace do planeta, superior à gigante Amazon, mas que tem bem mais serviços, da Cloud, aos pagamentos, passando pelos dados analíticos e afins. O gigante chinês que já começou a alargar as suas operações há vários anos (e continua a crescer na Europa).
E como chegou lá? “Com uma ideia do que deveria ser o futuro”. No principal palco da VivaTech, evento rival da Web Summit que chegou agora à 4ª edição (decorreu desta quinta-feira a sábado), o homem de baixa estatura explicou a Maurice Lévy, CEO do grupo Publicis, o seu percurso ascendente notável.
“Comecei sem dinheiro, sem tecnologia, do meu apartamento”. Então o que tinha? Mesmo só com formação “de professor de liceu”, ele e os seus co-fundadores tinham uma crença no futuro, uma ideia de qual seria o caminho para um futuro melhor”. Daí que Ma garanta que um empreendedor tenha de ser especialista em “negas, erros e em falhanços”. “Temos de nos habituar a levar negas constantes, de investidores e clientes. Se continuamos a acreditar na nossa ideia de futuro, temos de acordar no dia seguinte determinados em convencer as pessoas com os passos certos”.
Mas antes de convencer os investidores: “primeiro estão os nossos funcionários, têm de acreditar no que fazemos, depois os clientes são a prioridade e os investidores estão no fundo da linha”. “Gastem o tempo e o dinheiro que têm nos clientes, na vossa equipa, não gastem nos investidores nem na concorrência”.
Black Friday do Alibaba Group, recordista mundial
Com 38 milhões de dólares de receitas num só dia (“era bom que fosse assim todos os dias”, diz revelando o seu lado de empresário), o Alibaba Group criou uma galinha dos ovos de ouro com o seu 11 de novembro Singles Day, A ideia do singles surgiu com a curiosidade inata de Ma. “Achámos que era um bom dia para comprar coisas, testámos e ultrapassou totalmente as expectativas e é hoje o maior festival do mundo em vendas num só dia, e não só na China!”
Sobre o Alibaba Group, não é algo que vá fazer “para o resto da vida”. “Vou voltar a ensinar, não quero morrer no escritório, prefiro morrer na praia, mas até lá quero gastar o dinheiro de forma inteligente e ensinar empreendedorismo e até criar empresas relacionadas com o tema”. O seu sucessor, o CEO atual, Daniel Zhang, “é o tal caso do aluno que supera o mestre” e vai ter novos sonhos para a empresa.
Mas depressa atira objetivos: chegar a 2 mil milhões de consumidores e 100 milhões de empregos gerados em 2036. “Se tem um telemóvel, qualquer um no mundo pode fazer compras, entregas, pagamentos, viagens, vendas de forma global, ser consumidor e empreendedor. Se fizermos isto vamos sentir que tivemos sucesso, sem pensar no valor da empresa”.
O conselho aos governos: “ninguém é perito do futuro”
A regulamentação na área tecnológica tem estado em cima da mesa e tem havido pressão para se tornar mais intensa. Ma deixa um conselho, para que os regulamentos não sejam tão fechados e impeçam as tecnologias novas que surjam. “Ninguém é perito do futuro, só temos especialistas para o que já conhecemos. Numa altura em que estamos a criar tecnologia que está a mudar tudo, temos de fazer regulamentos espertos, adaptáveis e que dentro de um ano não estejam a prejudicar a inovação da altura”. Ma acredita que por causa de um problema que surja em algo que está a dar os primeiros passos “não se pode eliminar toda a evolução tecnológica por completo”.
Num discurso típico de professor experiente – que é a sua área de especialização, como não se cansa de repetir -, Ma lembra que “podemos fazer pouco para mudar o ontem e o hoje, mas há muito que podemos fazer para mudar o amanhã”, nesse contexto, os governos “devem abraçar a mudança e as tecnologias e, se não têm a solução para lidar com elas, procurem quem tenha soluções e usem-nas”.
Como pode a Europa inovar mais? “Parem de se preocupar tanto!”
Ma inveja algumas coisas na Europa, embora a China esteja bem à frente do Velho Continente a nível de crescimento na evolução tecnológica. “A Europa preocupa-se com tudo e quando a preocupação é excessiva ficam fechados. É medo por causa dos empregos, medo da inteligência artificial (IA), deixem a IA crescer, tenham calma!”
Depois deu o exemplo do Grupo Alibaba, que tem 100 milhões de ataques por dia. “Aprendemos com esses ataques e quando arranjamos soluções para lidar com os novos tipos de ataques que recebemos partilhamos com os outros as soluções”. Por isso, defende com o seu estilo de mestre filósofo pouco típico nos líderes de gigantes tecnológicos, “não podemos evitar o futuro, devemos abraça-lo”. Deu, inclusive, um exemplo que mostra a mudança dos tempos sobre o mundo do emprego (onde há receios com as melhorias na robótica e na IA): “o meu avô ficaria surpreendido por existirem tantos empregos novos a serem criados que temos hoje em dia”.
Ma admite: “fico preocupado com as preocupações da Europa, que mal surge algo novo querem logo criar regras quando ainda não descortinámos tudo sobre a inovação”. E se a Europa acha que não tem soluções para lidar com a inteligência artificial (IA)? “Esqueçam, nós usamos IA para apanhar muitos ladrões. Temos milhões de transações pelo Alibaba Pay todos os dias, há muitos a quererem roubar mas a máquina nunca esquece, é mais eficaz que os humanos a apanhar os ladrões e aprende com cada tentativa de trafulhice nova. O nosso AI é usado para apanhar os maus da fita”. Ma completa: “se virmos a tecnologia como problema, isso é um problema em si, a oportunidade só agora começou e se a mentalidade for vivermos preocupados, vamos parar e não se avança nem inova”. Por isso defende que, mesmo sem tudo estar perfeito os empreendedores “devem avançar”. E se os legisladores se preocupam muito, “mostrem que podem fazer a diferença e melhorem o que oferecem, apresentando soluções”.
A sua veia de professor foi uma constante na conversa e explicou como do nada conseguiu fazer tanto. “Imaginem, há 20 anos a China não tinha internet ou tecnologias de informação. Como poderia a China competir nessas áreas com a Europa ou a América, perguntávamo-nos na altura? Agora são as pessoas que se preocupam com a China. Não sabia que éramos tão poderosos”.
O que aconteceu então? O chairman do Alibaba Group avança que foi a necessidade e precisamente falta de soluções que obrigou o ecommerce a ser tão importante, “ao ponto do Alibaba se ter tornado mais forte do que a Amazon”. “Tínhamos na China uma infraestrutura comercial e de retalho horrível, não tínhamos nenhum equivalente a Walmarts ou grandes cadeias comerciais, daí que o ecommerce quando chegou passou a ser adorado e, quando chegou o mobile (os smartphones ligados à internet) adorámos porque não havia sequer rede fixa e aderimos mais rápido por isso, por necessidade”.
Medo do papão: China teme EUA, EUA temem China
A aprendizagem constante, sem medos, faz parte da cultura que defende no empreendedorismo. “O mundo vive preocupado. Na China durante anos ouvi as preocupações com os EUA, cuidado, vem aí a Microsoft ou a Oracle, nos EUA estão muito preocupados com a China, o que me faz confusão porque até há poucos anos a China estava atrás de todos a nível de tecnologia”. Daí que peça um foco centrado no “vizinho do lado” e, com isso, usa uma metáfora (usou várias na conversa em palco) africana: “o ambiente em África não é controlado pelos leões nem pelos elefantes, mas sim pelos insectos na lama”.
E logo explica a sua visão de filósofo-professor com um soundbite digno de nota e onde estão espelhados muitos dos sucessos empresariais da era digital, do Google ao Facebook, passando pelo Netflix ou a Uber: “neste século uma boa empresa é mais poderosa do que uma empresa poderosa”. Até porque “por maior que um elefante seja, sendo uma mosca podemos-nos esconder bem e até matar o elefante se formos espertos ao criar um novo jogo”.
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Modo, chairman do Alibaba Group: “vendam na China”
Chegam depois os elogios à Europa, mesmo sem terem os gigantes tecnológicos do mundo, “têm grandes negócios e muito boas empresas pequenas”. Por isso, entrando em modo mais empresário e chairman do Alibaba Goup: “vendam na China, não fiquem à espera que seja só a China a vender-vos produtos, aproveitem as oportunidades que existem lá para crescer”.
Com 40 milhões de empregos diretos e indiretos criados na China, o Alibaba Group cumpre assim uma missão mais ampla beneficiando de um marketplace focado em parceiros sem limite. Daí que a sua preocupação desde início tenha sido incluir todos no crescimento da empresa. “Sempre quisemos ajudar as pequenas empresas chinesas neste caminho para o ecommerce, não só porque o devemos fazer, mas porque elas são ótimas para reduzir os custos e serem eficientes até por necessidade e encontram fornecedores baratos”.
É também um dos primeiros a testar os produtos no Alibaba Group, precisamente por ser pouco tecnológico. “Se eu não conseguir usar, ninguém vai conseguir usar e tem de voltar para trás, a tecnologia tem de ser ferramenta para as pessoas comuns”.
(O Dinheiro Vivo / Insider viajou para a VivaTech a convite do grupo Publicis)