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Irene Cano: “A inteligência artificial ajudou a reduzir 80% das fake news no Facebook”

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Tecnologia para evitar fake news, Mark Zuckerberg, Artigo 13, a gestão da crise do Cambridge Analytica e as mudanças do algoritmo são alguns dos temas que falámos com a líder do Facebook na Península ibérica, Irene Cano, nesta segunda parte da entrevista.

Na primeira parte da entrevista à líder ibérica do Facebook, Irene Cano, ficámos a saber que a rede social mais popular do planeta cresceu em três anos um milhão de utilizadores em Portugal, passando dos 5,2 milhões para os 6,2 milhões de utilizadores ativos mensalmente. A crise relacionada com os escândalos de privacidade parece não ter afetado em muito a operação do Facebook, que está a aproveitar a boa altura económica do país. Irene Cano admite que o negócio em Portugal está muito bem e cresceu “bem mais do que 33%” em 2018, com a ajuda do investimento estrangeiro e das startups, um “negócio florescente”.

A responsável que gere o negócio ibérico também nos explicou os grandes marcos de quase 10 anos de Facebook, como pouco acreditaram na sua aposta em ir para a empresa em 2009 e como o crescimento exponencial teve marcos relevantes, como a passagem para o móvel como prioridade, em 2012 (a importância dos smartphones).

Também ficámos a saber que o centro de controlo de denúncias do Facebook que existe em Portugal (onde se eliminam conteúdos de terrorismo, suicídios e afins) não é gerido pelo escritório ibérico, mas faz parte do esforço global da rede de Mark Zuckerberg, que passou em 2018 de 10 mil pessoas a supervisionar conteúdos denunciados, para 20 mil, isto apesar da forte influência dos mecanismos de inteligência artificial para eliminar conteúdos considerados impróprios de forma automática e sem necessidade se olhar humano. Pode ler essa primeira parte da entrevista aqui.

 

Nesta segunda parte, Irene Cano, que é uma figura acarinhada em Espanha e várias vezes indicada como um bom exemplos de uma mulher bem sucedida numa posição de liderança em tecnologia, explica-nos alguns dos desafios que ultrapassou, revelando que encontrou no meio tecnológico bem menos atritos do que se encontra noutro tipo de industrias. Também acredita que “a tecnologia acaba por facilitar a vida a todas as pessoas e facilita especialmente a vida às mulheres”.

Abordámos ainda a forma como empresas e meios de comunicação devem abordar a mudança do algoritmo que tirou força (alcance) às páginas, em detrimento dos perfis pessoais e da relação entre o Facebook ibérico e a casa-mãe nos EUA. Irene Cano fala ainda de Mark Zuckerberg e da forma como ele tornou a empresa ao estilo millennial e um case study para o emprego do futuro, e também ficámos a saber o perfil desejado (é necessária muita dedicação) para o Facebook contratar pessoas. Sobre a crise do Cambridge Analytica, há uma tentativa clara de reforçar a segurança e trazer confiança aos utilizadores, até porque: “a confiança é a base do nosso produto”.

Madrid, 19/12/2018 – Entrevista com Irene Cano, líder do Facebook na Península Ibérica, fotografada nos escritórios da empresa em Madrid
(Diana Quintela/ Global Imagens)

O seu trabalho em Portugal resume-se de que forma e, já agora, que importância tem Portugal para a operação ibérica?
O meu trabalho é gerir a relação com os utilizadores, com as empresas e com as instituições, tanto em Espanha, como em Portugal. Neste caso, Portugal é uma importante fonte de crescimento e uma das principais fontes de inovação, onde temos grandes casos de êxito, como já falámos.

O algoritmo mudou muito nos últimos anos. O Facebook, para colocar a plataforma mais perto dos utilizadores, tirou o protagonismo às páginas. Estas alterações mudaram alguma coisa o negócio do Facebook? Houve reclamações?
As mudanças no algoritmo são mudanças que os utilizadores acabam por pedir com o seu uso. Querem saber mais das pessoas que contactam no dia a dia. Por isso, demos prioridade ao algoritmo para voltar um pouco ao nosso início e que as pessoas que usam a plataforma tenham uma ligação direta com os seus amigos e com a sua família. Assim o envolvimento (engadgement) sobe. Como vêem isto as empresas? A verdade é que quanto mais e melhor tempo as pessoas passam no Facebook, mais proativas e recetivas vão estar para receber comunicações publicitárias que lhes possam interessar. Sobre as páginas e os perfis, quando se fez a mudança também se pretendeu que se valorizasse a relação que cada página consegue ter com as pessoas. Mais do que um like, é preciso conseguir uma interação maior com comentários e afins. As empresas que funcionam com estas boas práticas não têm de se sentir prejudicadas. Além dos posts de amigos, há interações de qualidade que são as que prevalecem. Essa interatividade é o que permite que uma página tenha maior alcance e mais sucesso na plataforma.

Os meios de comunicação falam que hoje em dia é muito mais difícil ter o Facebook como ponto de entrada nos seus sites. Tem alguma estratégia para eles?
Para nós são parceiros que formam parte do nosso dia a dia e colocam conteúdo na plataforma que as pessoas consomem ativamente e são uma parte fundamental da nossa estratégia. Têm contactos com meios de comunicação portugueses. Temos contactos com os principais meios dos países onde estamos e em alguns deles somos a principal fonte de distribuição de notícias.

Houve jornais a protestarem. A Folha de São Paulo saiu do Facebook…
O Facebook é uma plataforma em mudança constante. E é certo que as mudanças às vezes são melhor ou pior recebidas, mas há sempre alternativas a cada uma das inovações ou das mudanças que fazemos nos produtos. O que se aplicava em 2012 não se aplicava em 2016 e seguimos em contínuo com a possibilidade de inovar e mudar, alinhados com a nossa missão de criar comunidades e conetar o mundo. Para isso, haverão muitas inovações e vamos-nos adaptando a todas. Os meios de comunicação são parte fundamental da equação.

Como é a relação da casa-mãe do Facebook com Madrid. Fazem reuniões frequentes, com que periodicidade e definições de estratégia?
Vivemos reunidos constantemente. A grande vantagem da tecnologia é que nos permite conectarmo-nos o inconveniente é que reunimos muitas vezes e como temos gente distribuída por todo o mundo, vivemos numa espécie de telepresença. Como podemos ver nesta sala com estes monitores de videoconferências. Temos muita gente a trabalhar para a Península Ibérica a partir de outros países e as reuniões são constantes, por telefone, videoconferência e também viagens presenciais, ou eles viajam para cá ou nós para lá.

Esta é a primeira empresa cotada em bolsa que é dirigida por um millennial. A cultura que se pode ver neste escritório, fantástica, divertida, inovadora é o reflexo dele

Fez uma formação no Facebook nos EUA no início, conheceu na altura o Mark Zuckerberg, o que pensa dele e Sheryl Sandberg e que contacto tem com eles?
É frequente o contacto com todos os executivos da empresa, se por alguma necessidade pontual for preciso contactar com eles. Há muitos vice-presidentes que estão no nosso dia a dia para a Península Ibérica, para a EMEA e para o produto a nível global. Quando tem de ser a Sheryl é ela e quando tem de ser o Mark é ele, mas não é por eles serem os líderes e cabeças visíveis da empresa que há mais ou menos contacto. Temos contacto com eles quando os temas assim o exigem. E tentamos optimizar os recursos que temos. Há uma máxima nesta empresa que é para que cada um se dedique ao que faz melhor. E se há outra pessoa que pode fazer uma certa tarefa, é melhor ser ele a fazer.

O que pensa dele?
O Mark é um típico millennial e esta é a primeira empresa cotada em bolsa que é dirigida por um millennial. A cultura que se pode ver neste escritório, fantástica, divertida, inovadora é o reflexo dele, vem da sua liderança até ao último empregado da empresa. Penso que ele tem uma visão clara do que quer e isso é o que nos trouxe até onde estamos e o que nos permitiu a todos aprender muito de forma dinâmica e muito adaptativa, de mudança constante e muito enriquecedora. Qualquer pessoa que trabalha nesta empresa, tem um passaporte para o trabalho do futuro, porque estamos a criar o futuro praticamente. Aqui aprende-se a trabalhar numa cultura profundamente dinâmica, que muitos chamam digital, para nós é simplesmente a nossa cultura e parte do nosso ADN. Isto vem desde cima e é algo que apreciamos todos e temos de agradecer.

É nisso que pensam quando querem contratar para o Facebook, certo? Um português que queira trabalhar aqui, como o pode fazer?
Capacidade de se adaptar à mudança, turnos dinâmicos, muito esforço, muita vontade de trabalhar, muita vontade de fazer bem e a energia suficiente para poder enfrentar um dia a dia que é frenético. Mas no final é uma empresa onde é fácil e simples trabalhar, porque há um foco no talento e no impacto. Quando alguém está a fazer algo que gosta e o faz bem (e nós procuramos adaptar as funções às competências de cada um), é agradável trabalhar aqui e podemos desfrutar.

2018 foi um ano difícil para o Facebook a nível de reputação pelo escândalos do Cambridge Analytica. O que se pode fazer no contacto com pessoas e clientes para acalmar os ânimos nesta crise?
Não sei se é uma crise, temos contacto direto com os clientes, as instituições, com os meios distintos e o nosso trabalho é ser capaz de passar as mensagens da empresa aos nossos parceiros e ao ecossistema. Isso foi o que fizemos em 2018, respondendo às notícias com os passos que demos para tentar garantir a segurança na plataforma. Também escutámos muito e constatámos que para todos a privacidade é muito importante e demos os passos necessários para garantir a privacidade de todos e recuperar um pouco desta confiança que parece que perdemos. A verdade é que partilhar é uma questão de confiança, quando as pessoas confiam partilham mais e melhor e essa é a chave da plataforma. Os passos que demos e explicá-los foi parte do nosso trabalho este ano, mas fizemos muitas coisas e muito boas com bons resultados para melhorar esta situação.

os passos que demos permitiram que a distribuição de fake news diminuísse em 80%. Conseguimos eliminar as contas falsas e é a inteligência artificial que nos ajuda

Mas houve alguma preocupação de empresas e utilizadores num ano em que até houve o RGPD e falou-se muito de fake news?
Pontualmente sim, mas também foi o nosso trabalho em todas estas áreas ir contando o que estávamos a fazer e os resultados que estávamos a garantir a segurança e a privacidade. Tratámos da integridade de eleições, onde demos muitos passos, eliminámos os utilizadores maus da plataforma, identificámos a publicidade política que enganava as pessoas e, no caso das fake news, os passos que demos permitiram que a sua distribuição diminuísse em 80%. Conseguimos eliminar as contas falsas e é a inteligência artificial que nos ajuda nisto, para que cada vez que uma conta falsa aparece podemos fechá-la. Ocorreu o mesmo com os incentivos económicos, já que por trás das notícias falsas há vários incentivos económicos e conseguimos eliminá-los para ser menos atrativo como negócio e temos trabalhado com a comunidade e com terceiros, neste caso verificadores de factos, para tentar dar prioridade às notícias do que são fontes confiáveis. Conseguimos, assim, reduzir a distribuição das fake news em 80%, que era um dos principais temas que identificamos ao longo do ano. Não é só um problema do Facebook, mas demos passos importantes.
No caso do RGPD, 2018 foi o ano dele e trabalhámos com reguladores para cumprir todos os requisitos que ele exigia e conseguimos estendê-los a todo o mundo. E é algo que não terminou a 25 de maio. Continuamos a dar passos para que a privacidade dos nossos utilizadores esteja garantida e não só na segurança, mas também na transparência. Queremos ajudar as pessoas a identificarem onde estão as ferramentas que lhes permitem gerir os controlos de privacidade, que possam escolher os conteúdos que não querem partilhar e com quem partilham. Essa é a base da confiança e a confiança é a base do nosso produto.

Em termos de fake news, há um mecanismo na página para denunciar?
Sim, existe. Mas antes que a própria comunidade denuncie os conteúdos, muitas vezes já os identificámos e eliminámos a conta que está a gerar esta distribuição.

O Artigo 13 dos direitos de autor a nível europeu, que pode obrigar a um controlo maior dos conteúdos e que tem levado a muitas críticas da Google está a chegar, qual é a posição sobre o tema do Facebook?
Não temos neste momento ainda nada para comentar sobre o tema, até porque ainda nada está decidido. Estamos a trabalhar com as instituições europeias nesse tema.

A nível de tecnologia, a inteligência artificial (IA) tem sido importante para fake news, para sinalizar conteúdos impróprios, quais são os próximos passos que vamos ver no Facebook?
A inteligência artificial é importante para o Facebook e para o mundo inteiro, acabamos por vê-la e usufruir dela desde que nos levantamos até nos deitamos. Uma aplicação pode-nos dizer o tempo onde estamos ou quanto tempo o nosso avião está atrasado, é IA. Para nós é fundamental, até para garantir a segurança dos nossos utilizadores. A IA está-nos a permitir eliminar determinado tipo de conteúdos da plataforma muito antes que a comunidade os denuncie. Graças a IA, mais de 99% dos conteúdos de terrorismo desaparece da plataforma antes de ser identificado pela comunidade. E noutras áreas a IA permite a pessoas que não vêm poder estar presentes dentro da plataforma e permite desenvolver as nossas capacidades em linguagem e estamos a explorar muitas opções que permitam facilitar a forma das pessoas comunicarem.

O mundo da tecnologia está sempre em mudança. Como será o futuro para o Facebook este ano e dentro de cinco anos, têm ideia?
Vamos continuar a focarmo-nos nas comunidades, que já têm mais de mil milhões de utilizadores e em produtos e serviços associados. Vamos centrarmo-nos posteriormente nas novas plataformas de mensagens e visuais como as Stories que os utilizadores estão a usar e a médio prazo ter produtos de realidade virtual com inteligência artificial que nos permita ter experiências mais imersivas e desenvolver estas novas capacidades de linguagem que nos permitam comunicar mais, melhor e de forma mais segura.

Hoje em dia o storytelling é fundamental para ser capaz de ter sucesso com o que comunicamos nas plataformas sociais

A nível de operação local, que objetivos têm para este ano?
Não temos objetivos locais, mas sim globais. E o nosso mercado encaixa bem na missão geral até por sermos um mercado maduro, estamos muito alinhados com o objetivo de continuar a desenvolver os serviços atuais e novos, de Facebook, Instagram e WhatsApp, dentro da região. Claro que depois de iniciarmos o desktop, móvel e feed de notícias, agora estamos a apostar nas Stories, nas mensagens e vídeo, que são as novas formas para as pessoas comunicarem. Hoje em dia o storytelling é fundamental para ser capaz de ter sucesso com o que comunicamos nas plataformas sociais. Os dados estão aí: há 400 milhões de pessoas a utilizar as Stories no Instagram e quase 300 milhões de pessoas a utilizarem-nas no Facebook e 450 milhões a utilizá-las no WhatsApp, por isso é um produto para continuar a desenvolver porque a implementação que teve é muito boa e é uma nova forma de comunicação fundamental. O vídeo é, claro, muito importante, um dos grandes pilares da comunicação digital. E o mesmo das mensagens instantâneas. Estes são os três pilares de serviços que estamos a focarmo-nos mais no curto prazo.

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A realidade virtual (RV) é uma tecnologia em que Mark Zuckerberg acredita há já alguns anos mais ainda não teve a implementação desejada. Há algum plano para a RV no Facebook?
Faz parte da nossa estratégia, mas não posso partilhar ações específicas. Mas a RV no final do dia constrói experiências imersivas que serão imprescindíveis para qualquer empresa que queira operar no curto prazo.

A tecnologia acaba por facilitar a vida a todas as pessoas e facilita especialmente a vida às mulheres

Ser mulher numa posição de liderança numa área tecnológica tem sido um percurso com dificuldades que hoje em dia já está mais generalizado?
Eu creio que ser mulher hoje em dia é menos complicado que há 30 anos. Para mim, nunca vi que ser mulher fosse uma dificuldade para me impor nesta área e, aqui no Facebook, já estou há nove anos. O que acredito é que nem todas as indústrias operam como esta, da tecnologia, em que tenho feito carreira. A tecnologia acaba por facilitar a vida a todas as pessoas e facilita especialmente a vida às mulheres, porque lhe permite um tipo de conciliação e otimização do seu tempo e dos seus resultados, porque no final podemos dar mais visibilidade ao que fazes através da tecnologia. Mas indústrias mais tradicionais do que esta isso não acontece e claro que isso tem de mudar.

Teve dificuldades no seu percurso até aqui?
Tive algumas dificuldades, mas resolvi-as bem. Tão importante quanto saber como identificar as dificuldades e enfrentá-las é ser capaz de as solucionar e de nos focarmos no positivo e não no negativo. É essa a minha máxima, há que se positivo nesta área. Há mais mulheres agora a servirem de exemplo em posições de lideranças para as jovens e é muito importante que isso aconteça para sermos mais em carreiras tecnológicas, porque esse é o emprego do futuro e isso é imprescindível.

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