Aos 29 anos, Greg Brockman é um dos maiores cérebros do mundo na área da inteligência artificial. Em entrevista à Insider, diz que chegou a altura de os computadores deixarem os ‘joguinhos’ dos humanos de lado e começarem a ser desenvolvidos em ambientes próprios.
Tudo começou à mesa de jantar em 2015. O menu? Inteligência artificial. Greg Brockman estava com uma companhia de luxo nessa noite: Elon Musk, diretor executivo da Tesla, SpaceX e Neuralink; Sam Altman, presidente da Y Combinator, uma das principais aceleradoras de startups do mundo; e Ilya Sutskever, cofundador da AlphaGo e um miúdo prodígio em ensinar máquinas a pensarem como pessoas.
“Estávamos a falar dos progressos na inteligência artificial e estávamos a questionar como podemos influenciá-la e garantir que vai numa direção positiva, em termos de evolução da tecnologia, mas também nas aplicações e nos valores que vão ser integrados na tecnologia no futuro”.
A conclusão daquele jantar? Estava na altura de reunir uma equipa com as mentes mais brilhantes da área para garantir que a inteligência artificial não descarrilaria e que o cenário em que todos acabamos subjugados à vontade das máquinas não se torna real.
Foi assim que nasceu a OpenAI, uma organização sem fins lucrativos e que é suportada por alguns dos maiores gurus tecnológicos de Silicon Valley. Além dos nomes já referidos, conta ainda com Peter Thiel, cofundador do PayPal e da Palantir, Reid Hoffman, cofundador do LinkedIn, e Jessica Livingston, também cofundadora da YCombinator, na lista de ilustres ‘padrinhos’. Leia-se: génios com bolsos fundos.
O que tinha todas as condições para ser uma nova empresa de inteligência artificial com capacidade para fazer frente às gigantes como a Google, Microsoft, Facebook e Amazon, é na realidade um centro de desenvolvimento que pretende partilhar, de forma aberta, os benefícios das suas investigações.
“Temos três equipas – desenvolvimento, segurança e política de utilização – a trabalharem juntas e de forma concertada. A nossa principal estratégia é construirmos uma inteligência artificial própria, segura e depois distribuir os benefícios”, sublinha Greg Brockman. Mas até este plano tem um limite, justamente para não contribuir para o motivo para o qual a OpenAI nasceu.
“Uma das formas como beneficiamos o mundo é publicando a maior parte das nossas investigações, mas no futuro esperamos diminuir a quantidade de publicações por razões de segurança”.
A missão de uma vida
O jovem de 29 anos, natural do estado da Dakota do Norte e atualmente a viver na cidade de São Francisco, no estado da Califórnia, é o diretor de tecnologia (CTO) da OpenAI – ou seja, é o cérebro que põe todas as máquinas a mexer.
O exemplo mais conhecido do sistema de inteligência artificial que está a ser desenvolvido pela organização é a OpenAI Five, uma equipa de cinco agentes digitais inteligentes e que se especializaram no jogo de estratégia em tempo real DOTA 2.
Para os humanos, DOTA 2 é o maior jogo de desportos eletrónicos do mundo – para a inteligência artificial, pelo menos ao início, parecia um desafio impossível de superar.
Aqueles que seguem os desenvolvimentos desta área lembrar-se-ão certamente da vitória que o sistema de IA da Google, o AlphaGo, teve sobre o campeão do mundo Lee Sedol no jogo Go – cuja complexidade está muitos níveis acima do xadrez. Mas esse não era o último reduto a ser ultrapassado.
Acontece que num jogo como DOTA 2 o desafio é muito maior e ainda mais complexo. Com dez jogadores em arena e com muitas variáveis para considerar, como as personagens, as suas habilidades, as movimentações inimigas e da própria equipa, a inteligência artificial sente-se perdida – até começar a aprender.
Leia também | Os portugueses que estão a liderar a revolução da inteligência artificial
Foram precisos dois meses, entre janeiro e março de 2017, para que a equipa da OpenAI visse os primeiros resultados da sua investigação a funcionar. E foi preciso um ano e meio para que a equipa de bots da organização fosse capaz de defrontar os melhores jogadores do mundo, numa partida que decorreu em agosto. Depois de ter vencido semi-profissionais e profissionais, a OpenAI Five acabaria por capitular perante os seus verdadeiros adversários. “No dia a seguir a IA estava pronta para derrotá-los”, garante Greg Brockman.
Não é difícil perceber porquê. Este sistema de inteligência artificial está a treinar na cloud, todos os dias, o equivalente a 628 anos de jogo. “É uma daquelas coisas em que dias individuais contam. O que está a acontecer é que no final de contas, tens estas redes neurais que estão a jogar na cloud e aprendem estratégias, contra-estratégias e continuam a evoluir”.
O CTO da OpenAI explica que quando duas equipas humanas jogam entre si, no final conclui-se que uma equipa jogou melhor do que a outra. Já na inteligência artificial, em particular na aprendizagem automática (machine learning), a máquina evolui em pequenos passos, às vezes imperceptíveis, mas quando a análise é feita em períodos de tempo mais alargados, existe uma curva de aprendizagem exponencial – até ao ponto em que a máquina torna-se invencível naquele desafio.
Mas chega de treinar as máquinas com ‘joguinhos’ de humanos. O próximo grande desafio para a inteligência artificial, pelo menos na perspetiva da OpenAI, é começar a desenvolver um ambiente digital criado a pensar especificamente em agentes digitais. Por outras palavras, Greg Brockman e os 80 engenheiros da OpenAI vão construir um parque de diversões talhado para IA para que a tecnologia possa desbloquear o seu verdadeiro potencial.
“Neste momento não vamos tentar resolver jogos que as pessoas já construíram, vamos construir jogos nós próprios, algo que nunca ninguém fez. Descobrimos que coisas que são divertidas para os humanos, são boas para ensinar a inteligência artificial. Mas nunca ninguém pensou em como desenhar um jogo que é divertido para a inteligência artificial. Vamos ser os primeiros e vamos construir ambientes que são bons para desenvolver as habilidades de inteligência artificial que queremos. Pensamos que ao perseguirmos ambientes de mundo aberto vais ser capaz de desenvolver muitos dos componentes da inteligência que estão em falta”.
Questionado sobre se a OpenAI vai depois disponibilizar os jogos da IA para que os humanos também possam aventurar-se neles, o CTO diz que “está dentro dos planos”. Em vez de medir a inteligência artificial pela bitola humana, a organização quer fazer o caminho inverso.
Além do parque de diversões para IA, A OpenAI vai disponibilizar em breve um modelo de inteligência artificial “capaz de gerar texto que é quase indistinguível de comentários na Amazon, tweets ou até para criar spam”, para depois acrescentar: “este são o tipo de coisas às quais não queres que toda a gente tenha acesso”.
Um futuro ainda por descobrir
Para Greg Brockman, a questão que se coloca não é sobre como está atualmente a tecnologia de inteligência artificial, mas como vai estar daqui a cinco anos ou dez anos e que tipo de impacto é que vai ter. “Isso é algo sobre o qual todos nós devíamos reconhecer como algo difícil de interiorizar. Os humanos são terríveis em exponenciais. Somos bons em coisas lineares e que extrapolam de forma linear”.
Num ano e meio conseguir criar um sistema de IA que esmaga a melhor concorrência humana é algo que deve servir como “chamada de atenção”. “Estamos a chegar a um ponto nas tecnologias de inteligência artificial em que tens mesmo de pensar nas potenciais aplicações e nos efeitos negativos antes de as disponibilizares”, explica Greg Brockman.
Leia também | Paula Panarra: “Inteligência artificial vai ser crucial para a economia portuguesa”
Tirando o cenário em que a inteligência artificial “prejudica a humanidade”, o diretor de tecnologia da OpenAI está mais preocupado com outro efeito negativo: a concentração do poder da inteligência artificial nas mãos de um pequeno grupo de pessoas.
“Se tiveres um pequeno grupo de pessoas que é capaz de controlar a tecnologia mais importante do mundo, seja para proveito próprio ou para os dólares estarem todos concentrados num único sítio, acabas num mundo em que esta desigualdade é massiva, numa versão amplificada de tudo o que vimos na tecnologia. Isto é algo com o qual devíamos ter muito, muito cuidado”.
Sobre a questão clichê da singularidade, um cenário em que a inteligência artificial supera a inteligência humana, Greg Brockman diz que “previsões são sempre difíceis” e que “até ao dia em que a tecnologia é criada, é quase impossível prever até onde pode chegar”.
“A ideia de uma máquina que é mais inteligente do que nós, a ideia de ter sistemas que podem ser aquilo a que nós chamamos de inteligência genérica, todas estas coisas não são familiares e não têm precedentes na história da humanidade”, explicou.