Publicidade Continue a leitura a seguir

Farfetch brilha em Wall Street. Saiba o que distingue a gigante portuguesa

Publicidade Continue a leitura a seguir

Foi uma estreia de sonho. A startup de origem portuguesa Farfetch disparou na primeira sessão em bolsa em Wall Street. Saiba como o que vale a gigante do e-commerce da moda de luxo a nível tecnológico e como tudo começou.

José Neves cumpriu um sonho, levou a bandeira portuguesa para Wall Street. A empresa luso-britânica brilhou bem alto na bolsa nova-iorquina na primeira sessão cotada em bolsa em Wall Street, chegando a valer 8 mil milhões de dólares durante o dia e arrecadou perto de 900 milhões de dólares com a operação.

Neste contexto, recuperamos o tema de capa do primeiro número da revista Insider, de julho (sobre como os dois unicórnios portugueses querem mudar as nossas vidas). Na altura, fizemos uma reportagem no centro de inovação da Farfetch, em Leça do Balio e entrevistámos vários dos responsáveis da empresa, incluindo o seu CTO, o homem que gere o lado tecnológico, Cipriano de Sousa.

Se há algo que impressiona na Farfetch é o seu crescimento exponencial. Chegam a entrar por mês 100 pessoas na empresa, ao ponto de qualquer número sobre os mais de três mil funcionários – só em Portugal trabalham mil engenheiros – estarem de forma rápida desatualizados. Seguem-se excertos dos textos do tal tema de capa. Destacamos a ambição de José Neves em tornar a Farfetch uma plataforma para alimentar todos os tipos de empresas que querem vender roupa no mundo, ou seja, quer tornar a empresa numa espécie de sistema operativo onde outros operam, como a Apple faz com a App Store.

(Reuters)

A visão do homem que criou a gigante Farfetch

Nasceu em 1974, no Porto, e aos oito anos ganhou o gosto pela programação quando os pais lhe deram no Natal um ZX Spectrum sem jogos, mas com um manual de programação. Não, não falamos de Paulo Rosado, CEO da Outsystems, mas sim de José Neves, fundador da Farfetch. Aos 19 anos juntou-se a Cipriano Sousa, ainda durante o curso de economia, que tirou no Porto, para fazer um negócio de software para fábricas de sapatos. A paixão pela moda – a sua mãe era de Felgueiras e o seu avô teve por lá uma fábrica de sapatos – acabou por levá-lo a criar a sua primeira loja de sapatos em Londres, em 1996, com 22 anos, cumprindo o sonho de ter uma vida internacional.

A Farfetch está perto de entrar em bolsa em Nova Iorque (já foi feito o pedido de IPO) e José Neves acabou por não querer falar connosco nesta altura. Mas o seu primeiro engenheiro na empresa e atual CTO, Cipriano Sousa, lembra-se bem de se sentir “cativado” pelo jovem José Neves ainda na adolescência tanto quando fez software para a sua primeira empresa, como quando José partiu para Londres: “ajudei-o a montar o software nessa loja de sapatos e continuámos sempre a colaborar meio à distância até à Farfetch”.

“No início de 2008 ou final de 2007 ele contou-me o projeto que tinha e pediu-me para criar uma equipa para fazermos a primeira plataforma para poder mostrar a investidores”. Cipriano trabalhou de casa nos primeiros meses, contratou dois outros engenheiros e depois foram crescendo até aos 800 atuais.

José Neves sofreu em Portugal com os anos de crise e de falta de investimento, mas acreditou sempre no projeto e dois anos depois de ter aberto a Farfetch (em 2008), conseguiu-o.

“Nunca imaginei que pudéssemos chegar aqui, mas o José já tinha essa ideia de criar uma plataforma global ambiciosa nos primeiros dias”. Cipriano admite que achou o projeto “louco” e ficou “em choque” até porque José queria crescer rápido para ser o primeiro a chegar a mercados como Europa, Brasil e EUA. Nunca percebeu como iriam lá chegar, mas com o aumento de escala de 100 boutiques no site, para 200, depois de um milhão de visitantes, para dois milhões, viu tudo acontecer como “previsto”.

É a cultura de José Neves que guia a empresa e o primeiro impacto que ele cria é “enorme”, admite Hélder Dias, vice-presidente de engenharia, que entrou na Farfetch há ano e meio, vindo de uma carreira consolidada no Brasil. “Quando fui abordado li sobre o modelo de negócio e fiquei fascinado”. Mas foi a última entrevista, com José Neves, que lhe tirou as dúvidas.

“É difícil não ficar logo cativado por ele [josé neves], a sua visão e ambição são viciantes e ele como empreendedor ágil que é personifica o conceito de toda a empresa”. Hélder Dias

Daí que Hélder diga que há várias ideias incríveis do CEO que ainda vão ser desenvolvidas nos próximos anos.”É um homem que acredita firmemente na colaboração, na agilidade e no não criar barreiras à inovação”. Quer que todos pensem no ponto de vista “global” mas se ponham no papel do cliente final. Daí que existem alguns valores corporativos que “são mesmo vividos na empresa”. Usam palavras em inglês para todos (Be Human, Thing Global, Be Revolutionary, Amaze Customers), menos uma, o Todos Juntos. “Estou fã desta cultura de entreajuda em que todos podem perguntar seja o que for a quem quer se seja, que vão sempre ter respostas”. E isso sente-se embora com “variáveis culturais” especifícas “na China, em Portugal, no Brasil e em Londres”.

(Este excerto é parte integrante do artigo: A visão dos homens que criaram dois gigantes Farfetch e Outsystems)

Reportagem: Como Farfetch está a mudar o (nosso) mundo

(Excerto do artigo publicado inicialmente em julho de 2018)

Um “F” pequeno é a única coisa que revela a entrada simples e modesta dos escritórios da marca de e-commerce de moda de luxo Farfetch, em Leça do Balio. A sala de espera onde só está uma rececionista, tem um sofá grande e dois ecrãs-espelhos, onde passam imagens da Farfetch, não só do site mas também do projeto da Loja do Futuro. Mas a surpresa acontece depois de subirmos as escadas que dão acesso aos escritórios onde trabalham mais de mil pessoas, quase todos engenheiros. O que vemos é um espaço gigantesco – um armazém da indústria têxtil adaptado aos tempos modernos –, onde não faltam Mercedes clássicos decorados a flores, uma casa de madeira na árvore, mini-golfe, escorregas vermelhos para descer do segundo para o primeiro piso, bolas de ioga e muitas paredes escritas com fórmulas ou organização de tarefas. Num dos dias que por lá passámos para esta reportagem, vimos algo improvável.

Centenas de funcionários reunidos no auditório, que é aberto e fica ao centro do espaço, a ver o jogo do Mundial Portugal-Marrocos (1-0). Se os portugueses vibravam com intensidade, os funcionários das outras 21 nacionalidades do armazém-escritório viam a partida com curiosidade e aproveitavam para enviar mensagens a amigos em línguas como holandês, chinês ou cirilico. A Farfetch, com clientes em 190 países e mais de 900 marcas de roupa de luxo parceiras, ganhou o estatuto de unicórnio (por ter valor de mercado acima dos mil milhões de dólares) em maio de 2015. Este ano celebra a sua primeira década com um crescimento exponencial de funcionários (76 por mês e tem mais de 2300), escritórios (tem 13 espalhados pelo mundo e vai abrir um segundo em Lisboa ainda este ano), crescimento de receitas anual de 70% e ambições tecnológicas incríveis.

Comprar roupa, a coisa mais fácil do mundo 

A Farfetch não está só a mudar a forma como se compra moda de luxo no mundo. Na verdade, o geek assumido Cipriano Sousa e primeiro engenheiro da empresa de que é hoje CTO, ainda antes dela ser oficial, em 2008, diz-nos mesmo: “não somos um site de e-commerce, somos uma plataforma com muitas aplicações em backoffice, uma rede de parceiros e uma base de dados e de data science impressionante”. E o que é isso significa? Está relacionado com a visão de ter uma “empresa global, que existe na mente de José Neves desde o primeiro dia e está enraizado na cultura”, diz Cipriano Sousa.

Cipriano de Sousa, CTO da Farfetch.

O CTO da empresa admite que é na ligação entre o online e o offline (as lojas físicas ou boutiques) em que se distinguem. “Fomos nós que iniciámos esse movimento que agora é copiado”. O responsável dá o exemplo da China. “Um dos nossos trunfos é fazermos bem a ligação do global com o local, ao contrário de Amazon e outros. Temos feito isso na China, onde temos um escritório a pensar nesse mercado já com 40 engenheiros a trabalhar e vão ser 100 até ao final do ano”. Cipriano garante que a experiência nas lojas pode melhorar muito e tornar-se muito semelhante ao que já há nos sites de e-commerce. E lembra: “só 10% da moda a nível mundial é vendida online”.

“O cliente pode comprar online, mas levantar as compras na boutique mais próxima”, ou ir à boutique experimentar e receber em casa. É aí que entra o conceito de Loja do Futuro, que já está a ser testado há algum tempo com consumidores reais na loja da Farfetch em Londres, Browns East, e para a qual a empresa tem já um grande cliente internacional – pode ser a Channel. “É indiferente se o processo começa online ou em loja, o que queremos é dar uma experiência fácil e prática”. Para isto têm estado a experimentar várias tecnologias.

O uso de inteligência artificial vai aumentar, de forma a prever o que os clientes querem, mediante os seus gostos, “numa viagem ao mundo das compras o mais personalizável possível”, diz Hélder Dias, vice-presidente de engenharia, que em pouco mais de um ano viu a sua equipa crescer de 200 para 700 pessoas. Para isso têm neste momento 30 a 40 data scientists, a maioria em Londres [o número é de julho, já pode estar desatualizado]. Mas vão ter bem mais em breve, até porque usam a ciência dos dados “em quase tudo”, do call center, aos algoritmos de sugestões de roupa, passando pela otimização da distribuição.

O que vale a tecnologia da Farfetch

Farfetch: Plataforma para liderar venda de moda mundial

Mais do que uma marca do e-commerce da moda de luxo, a Farfetch quer ser uma plataforma global da venda de moda em geral. Cipriano Sousa não tem dúvidas: “em 10 anos podemos ser o sistema operativo da moda em geral, em que os parceiros, marcas e boutiques usam a Farfetch como as apps usam a Apple e o iOS do iPhone para crescer”. Ou seja, a plataforma quer resolver o problema de várias empresas quando querem crescer e vender para outras áreas do mundo, fornecendo o backoffice, pagamentos, o processamento de encomendas e envios e até o seu departamento de fraude. Neste momento 95% do negócio da Farfetch é o e-commerce da moda de luxo e 5% é o uso da plataforma por outras empresas. “Numa década acho que vai ser ao contrário, só 5% do negócio é que será da nossa loja online”. Uma ambição notável “à medida de José Neves”.

Como é que vão fazer isto? O primeiro grande passo foi dado já este ano com a aceleradora de startups Dream Assembly. Onde de 150 candidaturas já surgiram várias startups parceiras que além de mentoria, querem usar a plataforma da Farfetch. Um desses exemplos é a Fashion Concierge, que usa uma janela de conversação e inteligência artificial (para já ainda com ajuda humana) para dar sugestões perfeitas ao cliente que escreve o que pretende. Essa startup foi adquirida pela Farfetch, pelo potencial que tem e essas ideias vão ser implementadas no site da marca.

“O objetivo final é termos empresas, startups ou pessoas individuais a desenvolver produtos e soluções em cima da nossa plataforma e já há estrutura montada para por ao dispor destas empresas. Quanto mais eles crescem, mais a Farfetch cresce como plataforma”.

Cipriano Sousa lembra que desenvolveram a plataforma “para não ficar presa à moda” e “poder ser aberta”. O conceito é terem “o mundo a desenvolver aplicações para a Farfetch”. Do ponto de vista de inovação “isto é uma excelente aposta, porque nós não temos de fazer tudo e inventar tudo”.

Loja do Futuro da Farfetch é laboratório para todos 

A Loja do Futuro pretende remover o atrito que muitas lojas têm, face ao online. Em primeiro lugar, a pessoa pode ser reconhecida (se o desejar) quando entra na loja – para já pelo seu telemóvel – e tem um tratamento adequado ao seu perfil e aos seus gostos, que a plataforma Farfetch já conhece. Pode tocar num produto e, com ajuda do telemóvel, ter informação imediata sobre se há outras cores disponíveis, outros tamanhos em stock (se não houver na loja, pode encomendar logo online) e até o aspeto que pode ter já vestido – pode ver um pequeno vídeo daquela peça a ser usada numa passerelle, num conceito chamado prateleira infinita.

Depois surge o conceito de Espelho Mágico cujo hardware, curiosamente, é feito noutra empresa portuguesa. É nesse espelho que é um ecrã tátil e está no provador, que o cliente pode pedir ao sistema outras recomendações com base no seu perfil. Também pode enviar fotos aos amigos pelo Messenger a pedir conselhos e fazer logo o check out, pagar através do telemóvel e pedir para entregar em casa. É uma operação de segundos, até porque o sistema já sabe a morada certa. O software desse espelho é feito pela Farfetch, que usa tecnologia NFC de emparelhamento com o telemóvel para reconhecer de forma direta o cliente.

Ana Sousa, Global People Strategy Director na Farfetch, em Leça do Balio.
(André Rolo / Global Imagens)

Reportagem: O talento é prioridade para a Farfetch

A Farfetch está a crescer vertiginosamente em número de funcionários em Portugal, à medida que o primeiro unicórnio português ganha parceiros e relevância mundial. Analisamos de seguida a sua política de captar e reter o seu “bem mais precioso”, o talento.

Por Ana Laranjeiro e João Tomé 

(Artigo publicado inicialmente em julho de 2018)

Os escritórios de Leça do Balio são “casa” para quase metade dos funcionários da Farfetch no mundo – são perto de mil, a nível global já superam os três mil e em Portugal já devem ronda os dois mil. Cerca porque, de quinze em quinze dias, à segunda-feira, entram novas pessoas (uma média de 76 por mês e houve recorde em janeiro, quando entraram 100), ao ponto de Ana Sousa, Talent & People Director, da empresa, admitir que já é difícil conhecer todos. “Temos vindo a crescer muito. Entrei há quatro anos, em abril de 2014, e éramos 190 colaboradores. Metade era engenharia. Agora somos 1800” em Portugal, metade dos quais na área de engenharia e produto”, explica.

A cultura da empresa tem sido uma das formas de aumentar e manter o talento, até porque os engenheiros portugueses, a maioria, são cada vez mais procurados. “Os nossos engenheiros são contactados diariamente pelo LinkedIn por empresas estrangeiras, o que nos dá alguma satisfação, porque significa que estamos a criar bom talento”, reconhece Ana Sousa.

Ricardo Felgueiras é manager de engenharia da Farfetch há cinco anos, começou como “mero engenheiro” e foi mostrando valor para passar a manager para programar um catálogo de produtos em backoffice. “Quando entrei éramos cerca de 20 programadores, agora devemos ser mais de 800 só em tecnologia. É uma realidade diferente e permite-nos fazer muito mais”, admitiu.

Quando entrou não sabia o que era a Farfetch, hoje recusa várias propostas para sair para multinacionais. “Consigo crescer aqui, aprender muito e ter muitas oportunidades até porque com tanta gente a entrar vão continuar a haver posições de liderança”. O desafio maior é conseguir com tanta gente de 22 nacionalidades diferentes em tantos países, “manter o foco no objetivo final”.

Nikola Misic, engenheiro sénior de software, veio da Sérvia para o Porto em fevereiro. Nunca tinha ouvido falar da Farfetch antes, mas ficou surpreendido por ver uma multinacional tecnologicamente tão avançada em Portugal e não se arrepende, só lamenta a falta do sol prometido.

Voltando à responsável de recursos humanos da Farfetch, Ana Sousa evidencia algumas práticas para “manter um namoro constante” aos funcionários. Com a informalidade no topo, inclusive no “dress code”. Daí que seja raro ver alguém vestido com roupa vendida no próprio site da Farfetch (os trabalhadores têm 20% de desconto) nos mil funcionários em Leça do Balio.

A Farfetch também considera que é necessário que haja um equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, daí não só dar flexibilidade, ter três autocarros diários para trazer e levar trabalhadores, e tem pequeno-almoço todos os dias, havendo sempre sopa, fruta, pão e, em certos dias, almoço completo.

Há uma impressionante sala com jogos com matraquilhos, videojogos, jogos de arcada, mesa de ping pong, entre outras diversões. Não falta um espaço de convívio onde se fazem aulas de ioga e com um palco para tocar música e, noutro piso, uma sala para dormir sestas, além de inúmeros espaços com sofás para ter reuniões ou descontrair por todo o escritório (também vimos por lá zonas de minigolfe, escorregas para descer de um piso para o outro e bolas de pilatos).

Além deste estilo de escritório à grande tecnológica norte-americana (Facebook e Google, por exemplo), a Farfetch está a desenvolver um projeto em que a ideia é criar “um sistema holístico em que possa haver nutricionistas, psicólogos, médicos e que possamos olhar para as pessoas” e perceber como é que podem ter um desempenho melhor.

“Nós temos um horário, que a lei impõe. Mas temos flexibilidade. Se alguém precisa de ir a uma consulta há essa possibilidade. Se alguém precisa de trabalhar a partir de casa isso também acontece. Damos muita margem aos líderes das equipas. É gerido dentro da própria equipa: eles próprios são responsáveis pela entrega de projetos; valorizamos muito mais a entrega do projeto do que propriamente as horas em que as pessoas estão a trabalhar”, sublinha Ana Sousa.

Esta aposta nos funcionários, não é vista pela Farfetch como um custo, mas como “um investimento nas pessoas”. “Se nós não investirmos nas pessoas, não podemos esperar que elas possam devolver. Quando investimos, elas sentem-se comprometidas. Sentem que têm espaço e que têm lugar”, rematou.