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Conversámos com o monge brasileiro que acompanhou Steve Jobs até ao fim

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Quem é Segyu Rinpoche? Um brasileiro carioca que se tornou no mestre espiritual de Steve Jobs. Falámos com este guru de executivos de Silicon Valley com muito por contar. Jobs morreu faz hoje sete anos (5 de outubro de 2011).

(este artigo saiu inicialmente no terceiro número da revista Insider)

A história dele dava um filme. A de Steve Jobs já deu seis (três documentários e três ficções baseadas em factos reais). Filho de um médico e de uma doméstica devota católica, António Carlos Silva nasceu no Rio de Janeiro em 1950, cinco anos antes de Steve Jobs – filho de pai sírio e mãe norte-americana e adotado aos 2 anos por um casal que fez vida em Mountain View, Califórnia.

Hoje, aos 68 anos, chama-se Segyu Rinpoche e é um monge budista reconhecido pela medicina tibetana, com uma fundação no coração de Silicon Valley chamada Juniper. Por Skype, este homem calmo mas assertivo, que continua a falar português do Brasil sem influência americana, explica-nos como conheceu em 2004 Jobs. “Foi o Lawrence Levy [CFO da Pixar e um dos estrategas que ajudaram Jobs a gerir de forma mais inteligente depois da saída abrupta da Apple] que nos apresentou, numa altura em que o Steve já se debatia com a doença.” 

(Lawrence Levy, ex-CFO da Pixar e amigo pessoal de Steve Jobs, numa conferência da Google sobre o seu papel nos métodos de gestão de Steve)

Rinpoche ganhou reputação nos anos 1990 em projetos conjuntos com a Universidade de Stanford, a que ajudaram os seus estudos mais científicos em psicologia transpessoal – um misto da psicologia clínica e tradições espirituais do Oriente. Em 1999, começou a ensinar Lawrence e, juntos, criaram em 2003 da fundação sem fins lucrativos Juniper. O objetivo? Levar práticas de meditação tibetanas e filosofia oriental para a vida moderna (longe dos ensinamentos de teor religioso). “Tento fazer que quem me consulta enfrente a pressão sem ter uma desestabilização emocional ou um sufoco, para cumprir todo o seu potencial.”

Quando conheceu Jobs não viu o ícone:“vejo todos os homens de forma igual – fui a quinta pessoa do seu círculo pessoal a saber que estava doente – e comecei a ajudá-lo com o lado espiritual em consultas em minha casa.” Depois tiveram o primeiro desaguisado.
“O Steve era um perfeccionista em tudo, inclusive com a saúde, e queria tratar do tumor de forma holística, não queria a operação. Eu estava contra e, por isso, não nos vimos durante dez meses.”

Foi quando a doença piorou que Jobs aceitou fazer a operação e voltou a recorrer a Segyu – este começou a ir quase diariamente à casa do ícone da Apple desde 2006. “Tivemos sempre uma boa relação, de confiança”, explica Segyu, que inicialmente o ajudava a meditar e a canalizar as suas energias para o sítio certo. Não falavam de tecnologia propriamente dita, mas “sobre quem somos, porque estamos aqui”. Em 2005, ajudou o líder da Apple a preparar o seu lendário discurso na Universidade de Stanford, que popularizou a citação “Stay hungry, stay foolish”. “Estive alguns dias a falar com ele sobre o mundo, filosofia e sobre os seres humanos em geral e como ainda estamos atrasados naquilo que podemos ser.” 

Segyu recorda-se de um episódio que Lisa Jobs (que teve uma relação complicada com o pai) retrata no seu livro  – foi através deste livro que chegámos ao monge: “Numa sessão com ele em 2009, a Lisa passou e eu pedi-lhe para tocar nos pés do pai, era uma forma de os aproximar como pai e filha.” E como era a casa de Jobs? “Era zen e ao estilo dele, parecia simples, mas escondia muita tecnologia”.

O líder da Apple trabalhava muito com o teclado ao colo e com o computador de secretária” e usava um programa de escrita “mais artístico feito para si”, que deu origem ao Pages (em 2005). Tinha uma “opinião muito crítica sobre o sistema de saúde e de educação dos EUA”, embora falassem pouco de política. O mestre budista diz que tem boa relação com a mulher de Jobs, Laurene, e recorda que procurou dar a Steve “ferramentas para através do nome que tinha e do eco das suas palavras se tornar mais emocional e um homem da sociedade, importante para a civilização”. Lamenta  não ter tido mais tempo com Jobs “para ajudá-lo a ter uma visão mais humanística do mundo”.

“A paz espiritual era muito importante para alguém como o Steve. Ele era um mestre de marketing, gostava muito da estética zen e da filosofia budista, mas interiormente precisava que essa filosofia fosse mais atuante para chegar onde ele queria.” Segyu queria “conduzi-lo para uma paz exterior e interior maiores”. No último dia de vida de Jobs, a 5 de outubro de 2011, Segyu conta sem grandes pormenores: “Foi emotivo, beijei-o e ele sussurrou-me um ‘muito obrigado’ horas antes de morrer.” 

O monge explica que a tecnologia traz avanços importantes – o seu livro de apoio nas sessões é um iPad –, mas cria uma desconexão entre pessoas grande e lembra que Jobs tentava que os filhos não vivessem parados a olhar para ecrãs. “Não proibiam, davam-lhes era atividades (piano, línguas ou aulas equestres no caso da filha mais nova Eve) para estarem ocupados”. O seu trabalho em Silicon Valley, “uma zona rica assolada por pessoas que vivem sobre stress incrível”, envolve trabalho espiritual com os principais executivos de IBM, Google, Facebook e Apple. É uma “missão sem fim à vista”.

(em breve contaremos a história de como o carioca Segyu Rinpoche se tornou num monge budista reputado)

(A Apple mantém uma página dedicada à memória de Steve Jobs, numa espécie de livro de condolências aberto.)