Caen Contee: Lime testa descontos, realidade aumentada e quer ter carros voadores

    Entrevista a Caen Contee, cofundador da startup californiana Lime que já tem cinco milhões de utilizadores. O responsável explica que vão ter descontos para quem mais precisa e apostar em soluções de realidade aumentada para dar resposta às críticas. No futuro admite apostar em carros autónomos e veículos voadores, se a tecnologia o permitir.

    Caen Contee, conhecido nos escritórios da Lime como Hurri-Caen, ou furacão, pela sua intensidade profissional, juntou-se a Toby Sun (CEO) e Brad Bao em 2016, em São Francisco, na pesquisa por uma solução de mobilidade inteligente, global e capaz de mudar a forma como nos movimentamos na cidade. O objetivo era que fosse uma solução fácil de usar e pronta para servir todos numa plataforma multimodal.

    Tudo começou com as bicicletas. Foi essa a ideia inicial, mas foi com as trotinetes elétricas que perceberam que podiam mesmo ser revolucionários em pouco tempo. Em entrevista à Insider e num português com sotaque do Brasil, o norte-americano Contee (que viveu na adolescência um total de cinco anos no Brasil com a mãe) admitiu que foi em dezembro de 2017, meses depois de criarem a empresa (em janeiro) que perceberam que estavam “nos comandos de um foguetão imparável”.

    O investimento da Uber (minoritário) e da Google (muito maior e que envolve auxílio de engenharia e afins) deram escala rápida à empresa que tem como lema interno, “Lime Time”. “Queremos crescer rápido para qualquer cidade de grandes dimensões porque já há empresas a entrar neste mercado e queremos mostrar que temos o melhor serviço”, disse, admitindo que o crescimento atual, ronda as cinco cidades por semana. Sobre as críticas de mau uso das trotinetes, Caen diz que são residuais, mas admite que estão sempre a melhorar o serviço e devem implementar um sistema de realidade aumentada para obrigar os utilizadores a deixar as trotinetes em locais menos incomodativos. O responsável garante ainda que as suas trotinetes são a forma de mobilidade mais segura nas cidades atuais.

    A Lime está em Portugal, mais precisamente em Lisboa, desde outubro. Caen admite que em 2019 pode haver baixa de preços (o desbloqueio da trotinete custa, neste momento, 1 euro, mais 15 cêntimos por minuto de uso). “Estamos a testar soluções com descontos que podem estar associados ao vencimento de cada um, porque queremos se uma plataforma ao alcance de todos”, explica.

    Em 2019 a Lime vai incluir o serviço de carsharing na plataforma que neste momento só tem bicicletas elétricas (em alguns países) e trotinetes elétricas e Coen admite que Portugal pode ser um desses países. O cofundador da startup de crescimento exponencial admite que, na próxima década, querem ter várias soluções com veículos diferentes, o que pode incluir veículos aéreos e autonómos, se a tecnologia o permitir. Com 5 milhões de utilizadores e 20 milhões de viagens já feitas em 15 meses de operação, o objetivo atual é chegar rápido às mil milhões de viagens pelo mundo.

    o objetivo sempre foi ter uma plataforma multimodal fácil de usar pela app

    Lime

    Como é que foi o seu percurso até chegar à Lime? Já percebi que passou pelo Brasil.
    Sou norte-americano, mas passei cinco anos no total da infância/adolescência no Brasil. Estive com a minha mãe, que morou lá numa quinta. Depois estudei na Universidade de Dartmouth, no New Hampshire [que pertence à Ivy League], línguas estrangeiras, daí falar chinês, mandarim, italiano e árabe. Também me especializei em ciências políticas. A Lime surgiu já quando fui viver para o Oeste. Fundei por lá a empresa Culination, em 2012 e, em 2015 cofundei o serviço Connect, que juntava as apps de redes sociais numa plataforma que ajuda a gerir o tempo. Em 2016 fiquei a saber que os meus cofundadores de Lime, Toby Sun (CEO), Brad Bao, estavam a estudar o mercado de mobilidade mundial e andavam à procura de alternativas à mobilidade atual. Existiam vários países com soluções interessantes com bicicletas, como a Dinamarca. Na altura estava a viver em São Francisco e conhecíamos-nos do meio das startups. Juntos procurámos que tipo de veículos poderiam ter uma função semelhante à bicicleta, com esta ideia da partilha e sempre com o intuito de ter um modelo que pudesse ser concretizado à escala global. Tinha de ser algo acessível, fácil de pegar, sem docas nem restrições e facilmente partilhável. As docas não servem bem todo o tipo de públicos numa cidade, não eram bons pontos de partida para fazer um investimento num modelo global, com software e hardware que precisávamos para criar uma plataforma global. Começámos com bicicletas, mas a ideia era uma plataforma com soluções multimodais, para poder pegar numa trotinete para ir até a um sítio e, depois, pegar numa bicicleta elétrica para subir uma colina. Para isso, o objetivo sempre foi uma plataforma multimodal fácil de usar pela app, bastava fazer o scan do código QR e usar facilmente.

    E tudo começou em janeiro de 2017. Como foram os primeiros tempos e como é que foi escolher os modelos certos de trotinetes?
    Procurámos ter uma equipa com talentos diferentes logo no início. Na China tivemos desde início a equipa de hardware, ao lado da fábrica que faz as trotinetes, o que permitiu desde os primeiros tempos verificar a qualidade dos modelos e controlar as parcerias com outras empresas. Há um ecossistema integrado por lá. Nas bicicletas e nas trotinetes temos cinco parceiros chineses, mas é tudo feito de propósito para a partilha com o nosso contributo. A ideia em criar o melhor produto é possível com equipas de hardware e software nossas, porque tudo isto só funciona bem se controlarmos toda a estrutura. O que conseguimos é ter em circulação o veículo mais seguro que se pode ver hoje em dia numa cidade. Esse conceito faz parte da nossa génese, ter o melhor produto para a cidade.

    A maioria das trotinetes são da marca Segway que, entretanto, passou a ser chinesa. Como lidaram com o caso do sobreaquecimento das baterias de algumas unidades?
    Temos da Segway e de outras marcas. A questão das baterias e do seu sobreaquecimento foi em algumas unidades que já não estão operacionais. Temos uma nova versão da trotinete que não dá estes problemas, que é a 3.0. A nova versão resolveu alguns problemas. Reconhecemos logo as trotinetes que davam problemas e mudámos o algoritmo para evitar certas situações de sobreaquecimento. Mas isto é um problema geral deste tipo de baterias que existe em todo o lado. As baterias de lítio aquecem com facilidade. A mudança do algoritmo no trabalho que fizemos com os fabricantes permitiu que, quando estivessem a sobreaquecer numa tomada, a baterias parem a carga.

    A nossa ideia conjunta passa por trabalhar com as cidades para torná-las mais inteligentes. A Lime quer ser parte do futuro que está a chegar agora

    Que tipo de investimento é que a Uber e a Google fizeram e em que medida têm conseguido crescer com eles?
    São parceiros estratégicos. São empresas com muito experiência em escala e com a Google bebemos muito a nível tecnológico. Trabalharam connosco para usos mais comuns, já usamos os Maps deles de forma bem integrada e eles ajudam na visão para uma cidade conectada e inteligente. A nossa ideia conjunta passa por trabalhar com as cidades para torná-las mais inteligentes. A Lime quer ser parte do futuro que está a chegar agora. No caso da Uber, eles investiram porque também têm interesse em perceber o futuro das cidades através do que estamos a fazer. Eles têm interesse em perceber a evolução do nosso método de trabalho que é feito ao lado das cidades e de quem as gere. É um serviço privado para benefício do público, como um serviço público, de várias formas. Fomos a primeira empresa com regulamentos concretos de segurança, algo que mesmo algumas plataformas com bicicletas com docas não tinham. Sabíamos que para criar algo para ir para qualquer lado da cidade, com segurança como prioridade, ajuda ter regulamentos pensados e em consonância com cada cidade. Isto dá força ao projeto e torna muito mais rápido a nível de integração com o que já existe nas cidades.

    Este é um movimento imparável. As críticas ajudam-nos a melhorar e é isso que temos feito. Não sabemos tudo, estamos a aprender.

    Quando é que perceberam que eram um grande sucesso? A verdade é que num ano e meio a Lime consegue estar em dezenas de cidades e tem dinheiro para gastar. 
    Os dados de utilização não mentem. Temos números incríveis. No final de 2017 e, ainda mais em janeiro, foi a altura em que percebemos que estávamos no comando de um foguetão que tínhamos de ir segurando e direcioná-lo para o melhor caminho. Sabíamos que isto vai fazer parte do futuro da mobilidade e, depois começámos a ter empresas e pessoas a quererem colaborar connosco. Perceberam que esta é uma grande oportunidade de usar o melhor dos negócios e do capitalismo, para o colocar ao lado do que é mais importante para o ser humano, a sua mobilidade. Por um lado estamos a reduzir as emissões de gases para a atmosfera e somos uma solução contra as alterações climáticas, livre de carbono. Depois, trabalhamos ao lado das cidades para que o nosso serviço seja complementar e melhore a vida das pessoas e da mobilidade nas cidades de forma inteligente, fácil e mais eficiente. Este é um movimento imparável. As críticas ajudam-nos a melhorar e é isso que temos feito. Não sabemos tudo, estamos a aprender. Estamos no nascimento de uma indústria elétrica, de mobilidade pessoal e inteligente.

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    O serviço das trotinetes invadiu São Francisco e houve críticas ferozes por trazer confusão. Como resolveram essas dores do crescimento?

    As críticas ajudam-nos a melhorar e é isso que temos feito. Não sabemos tudo, estamos a aprender. Estamos no nascimento de uma indústria elétrica, de mobilidade pessoal e inteligente. A cada três meses a tecnologia muda e nós mudamos. Esta tecnologia está só a começar e temos muitas oportunidades de melhorar a nossa plataforma, trabalhar ao lado dos municípios e criar um serviço adequado a cada cidade e vemos que a tecnologia pode condicionar aquela pequena percentagem de pessoas que não usam bem o serviço.

    Temos soluções que ainda só estão em alguns mercados, como zonas especificas em que se pode usar, multas para quem estacionou mal e alertas. Como é um serviço inteligente, com GPS e várias soluções, sabemos onde as trotinetes andam e podemos parar o veículo e inutilizá-lo se alguém estiver a levar uma trotinete para onde não deve. Há alguns métodos que estamos a testar. É com o software que podemos melhorar. Os locais onde se pode estacionar também podem ser específicos, mas sem infraestrutura nem docas, mas sim realidade aumentada, para um método simples e flexível de forma a evitar abusos. A realidade aumentada é uma solução que vamos usar para obrigar as pessoas a usarem bem o serviço e não deixarem a trotinete onde não devem. Outra solução de software que estamos a melhorar através de inteligência artificial é a previsão. Quando há grandes eventos como a Web Summit, podemos mudar a nossa frota para estarmos mais presente onde as pessoas mais precisam das trotinetes.

    Estamos, para já, em 13 países. Só em cidades (ou mercados) estamos em mais de 100 e sempre a crescer

    Neste momento estão já em muitas cidades. Quantas? Qual é o ritmo de crescimento?
    Estamos, para já, em 13 países. Só em cidades (ou mercados) estamos em mais de 100 e sempre a crescer. Temos tido ritmos de crescimento impressionantes nos EUA, Canadá e na Europa (França, Espanha, Portugal, estamos a crescer muito) e estes são os nossos maiores mercados neste momento. A cada semana temos uma média de cinco cidades novas onde estamos presentes, daí já estarmos a negociar com algumas cidades portuguesas para levar para lá a Lime. Ainda estamos na Nova Zelândia e já lançámos no México. Vamos crescer na América Latina e na Oceânia nos próximos meses. A ideia é que, seja qualquer for a cidade para onde alguém viaje, se possa usar a experiência Lime.

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    Tem números do número de utilizadores e de trotinetes disponíveis? Quais são os objetivos para 2019? 
    Temos, para já, 5 milhões de utilizadores e preferimos não revelar o número de veículo, até porque flutua. Para 2019 vamos focarmo-nos mais no aumento do número de viagens, mais até do que nas cidades. Chegámos já às 20 milhões de viagens feitas com a Lime, isto em 15 meses de operação. O sucesso para nós é chegar a mil milhões, mas isso é só o início. Mensalmente crescemos de tal forma que não sabemos quanto é que estamos a crescer de forma exata, depende sempre do número de veículos que temos em utilização. Estamos com cada vez mais veículos e em 2019 queremos aumentar, mas não posso revelar o número certo, não vou dizer um número louco como 100 mil.

    Chegámos já às 20 milhões de viagens feitas com a Lime, isto em 15 meses de operação

    Querem crescer para que zonas do planeta em concreto? Será viável assumir que vão aderir a outros tipos de veículos em breve?
    O nosso lema é “Lime Time!” Queremos crescer e ter soluções em pouco tempo, até porque já existem várias empresas no mundo que querem entrar no nosso espaço. Temos de mostrar que temos o melhor serviço e mostrar o que valemos em cada mercado. Vamos chegar à Ásia, ao Japão, mas depende sempre da evolução nas cidades onde estamos a chegar e das negociações e relação com cada município. Primeiro fazemos um teste piloto, depois avançamos. Num piloto mostramos que podemos mudar por completo a mobilidade da cidade. Depois, vamos ter carros elétricos e queremos oferecer uma solução conjunta com as trotinetes, em que se paga um valor para se chegar a um sítio e se pode usar carro ou trotinete, tanto faz. É uma solução holística, que permite a uma pessoa pegar em qualquer veículo, dependente do que vai fazer.

    Operam nas soluções de mobilidade. Agora com o carsharing, não temem estar a fazer alguma concorrência à Uber, um dos investidores?
    Eles não são nossos concorrentes. Viram que estávamos a crescer e quiseram participar por que perceberam que o que oferecemos é um topo de mobilidade diferente da deles. A verdade é que podemos oferecer outro tipo de serviços na nossa plataforma.

    Que tipo de investimento é que houve da Uber e da Google?
    Não posso falar em valores, mas a Google investiu muito mais e está mais alinhado connosco na colaboração para o futuro da mobilidade. A Uber é um investidor minoritário, mas também trabalhamos com eles. A ronda anterior que tivemos de investimento foi de 330 milhões de dólares e o valor da empresa agora é 1,1 mil milhões de euros. Mas sempre a crescer.

    Sobre os preços do serviço, são globais neste momento, com 1 euro ou um dólar para desbloquear e 15 cêntimos por minuto pelo uso. Ponderam adaptar para cada cidade e cada país, já que o poder de compra em Nova Iorque é diferente do de Lisboa?
    Já temos uma solução possível, até a pensar no PIB de cada país, mas não é tanto por cidade mas por país. A nossa solução traz ganhos importantes e o preço faz sentido. Em vez de caminhar, uma pessoa pode pegar numa trotinete e fazer tudo mais rápido. E é bem melhor em percursos curtos do que um Uber, que pode ser três ou quatro vezes mais caro do que a Lime e demorar três ou quatro vezes mais tempo. A nossa solução tem um preço que é muito melhor do que existia na mobilidade antes, face ao tempo que as pessoas poupam. Mas com o aumento da nossa escala a nível global chega a oportunidade de ter preços mais baixos em certas circunstâncias. Por exemplo, vamos testar descontos para alguns segmentos da população que não têm tantos meios. Há várias formas de ajudarmos a que todos possam usar o serviço. A verdade é que a empresa é sustentável e isso também é importante. Isso dá-nos margem para investir noutro tipo de veículos e criar um preço acessível a todos.

    Em Portugal podemos testar um programa para dar descontos a quem mais precisa

    Como podem funcionar esses descontos?
    Estamos a criar métodos para que todos possam usar o serviço, mesmo quem ganha menos. Se alguém não pode pagar, também podemos sugerir que façam por nós serviços, como recolher trotinetes e outros, que dão minutos grátis para usar. Pode ser útil para estudantes, por exemplo. Em Portugal podemos testar um programa, que ainda está implementado, onde podemos verificar algum tipo de papéis e, assim, dar descontos a quem mais precisa. Não sei bem que papéis poderiam ser cá, mas vamos ver no futuro.

    Precisamente sobre o futuro, onde querem estar em cinco anos e mesmo na próxima década? É possível ter veículos voadores?
    Dentro de cinco anos queremos ser uma plataforma mundial presente um pouco por todo o mundo. Qualquer cidade com mais de 500 mil pessoas devia querer ter a Lime para facilitar as viagens. A verdade é que, se existe uma cidade com dimensão nós queremos estar lá.

    Nos próximos 10 anos é mais difícil. A nossa plataforma é de partilha, mas também vai ser de on demand, quando alguém quer um serviço pode pedi-lo e ele aparece. Na área de mobilidade vamos ter muitos tipos de veículos e, à medida que a tecnologia melhora, vamos atrás das novidades para ter cada vez o melhor produto. Podemos ter um veículo voador, claro, tal como veículos autónomos. Tudo vai depender para onde a tecnologia nos leva e o que ela irá permitir. Estamos a tornar a plataforma o mais aberta possível, para poder funcionar com qualquer veículo tanto no chão como no ar. Neste momento ainda não existe a tecnologia que esteja no ponto certo, mas quando houver segurança e garantias de sucesso, vamos lá chegar. A verdade é que vamos podemos oferecer muitos veículos diferentes e tipos de serviço distintos na plataforma.

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