Comprar um carro elétrico depende muito da autonomia e do tempo de carregamento da bateria. Saiba o que está a mudar e decida se vale a pena.
Nunca como hoje a mobilidade elétrica esteve tão em voga. Imperativos ambientais e de saúde pública tornaram-se argumentos para a massificação dos veículos elétricos (VE) um pouco por todo o mundo, com a China à cabeça, os EUA no encalço e a Europa a fazer um forcing para se posicionar também na linha da frente.
Entre os países do Velho Continente com condições muito benéficas para abraçar a eletrificação está Portugal, cuja história na eletromobilidade pode ser dividida em três fases: pioneirismo, estagnação e ressurgimento. A primeira data do final da década passada, quando o governo de José Sócrates apostou na mobilidade elétrica como estandarte diferenciador numa fase em que poucos na Europa o faziam.
Os seus “frutos” foram escassos, devido à crise económica e financeira, que colocou em suspensão o plano inicial. Mas, a reboque da necessidade de baixar emissões poluentes, entrou-se na terceira fase, a do ressurgimento. Ao abrigo desta, tem-se assistido nos últimos anos a um maior empenho na eletrificação, regressando – de forma tímida – os incentivos à compra de veículos elétricos (VE) e retomando-se a expansão da rede de carregamento. Esse ponto é, para os utilizadores de VE, essencial para que a eletromobilidade se imponha definitivamente.
“A mobilidade elétrica está numa fase de grande expansão mas, fruto dessa mesma expansão rápida, surgem alguns constrangimentos, sendo o principal a rede pública de carregamento. Julgo que esse ponto é consensual”, considera Henrique Sánchez, presidente da Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos (UVE), para quem o crescimento e melhoria da atual rede de postos de carregamento tem de responder ao cada vez maior número de VE na estrada.
Esta questão assume mesmo contornos de urgência, uma vez que a tendência de crescimento nas vendas de elétricos corre o risco de esbarrar na limitação dos postos, sobretudo nos de carga rápida (PCR). “Vai haver um crescimento muito grande ainda neste ano. Temos cada vez mais modelos de carros e com maior autonomia, o que vai permitir que mais pessoas cheguem à mobilidade elétrica”, refere o responsável da UVE, ele próprio um ávido utilizador de carros elétricos há vários anos.
A pagar é que nos entendemos?
Mais do que a autonomia dos elétricos, a grande maioria dos utilizadores aponta a falta de uma rede de carregamento capaz de atender às necessidades de todos. Mas o caminho neste sentido também está a ser feito. A rede é composta atualmente por um total de 608 equipamentos, dos quais 550 são normais (entre 3,7 kWh e 22 kWh) e 58 rápidos. Desses, 39 fazem parte do projeto-piloto e 19 resultam de investimento privado. Contudo, o número total de pontos de carga atinge os 1545 (o número varia, frequentemente, uma vez que há quem não inclua nestas “contas” os postos fora de serviço), contando com as tomadas várias que existem nos equipamentos. Esse valor deverá ainda crescer até final do ano.
Essencial para esse crescimento será o novo modelo de pagamento nos carregamentos rápidos. Será a passagem dessa rede para responsabilidade de privados a permitir a sua expansão de forma mais eficaz, embora ainda não exista data em concreto para que tal aconteça (sabe-se apenas que será ainda neste verão).
Essa havia sido também uma ideia já defendida pelo secretário de Estado adjunto e do Ambiente, José Gomes Mendes, que referiu recentemente a importância da descabornização da economia e da mobilidade, apontando “que a chegada do investimento privado na área dos operadores privados é essencial” para substituir o papel do governo, que tem sido de “impulsionar o setor”.
Tal como a data de início dos pagamentos, também os valores são uma incógnita, não se sabendo, por exemplo, se nos mesmos será incluída a chamada contribuição audiovisual para financiar a RTP. A hipótese está a ser discutida com os CEME, mas muitos utilizadores já contestaram. Para acelerar o início dos pagamentos, foram abandonadas as duas condições prévias impostas pelo governo, que passavam pelo fecho da fase-piloto e que todos os operadores privados (CEME) estivessem disponíveis a avançar com tarifários (basta agora que a maioria esteja pronta).
A Prio Energy, por exemplo, que tem vindo a apostar em força na mobilidade elétrica, garante estar totalmente preparada para dar início aos pagamentos, como explica Luís Miguel Martins, administrador.
“A Prio acredita que a mobilidade sustentável nos grandes centros urbanos passa pela mobilidade elétrica, assumindo na sua estratégia a energia elétrica como uma das principais energias rodoviárias do futuro. Em Portugal fomos pioneiros na mobilidade elétrica como o primeiro operador de pontos de carregamento (OPC) registado, em 2011, pela Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG). E também como comercializador de eletricidade para a mobilidade elétrica (CEME) logo que a atividade passou a estar regulamentada”, afirma.
Quando tal vier a acontecer, assume ainda Luís Martins, a Prio pretende “introduzir uma nova dinâmica na rede operada, indo ao encontro das necessidades dos utilizadores de veículos elétricos, essencialmente pela disponibilização de carregadores Fast em pontos-chave já identificados”. Partilha, assim, da ideia de Henrique Sánchez de que o início da faturação dos carregamentos trará consigo o aumento da rede. Mas haverá uma condição-chave: a da rentabilidade.
“Quando for a pagar, vai obviamente abrir a possibilidade a qualquer operador, sendo rentável, de colocar um, dois ou 20 postos. Sabemos que há operadores que estão disponíveis para avançar rapidamente. Há quem julgue que quando começar a ser pago vai ser uma maravilha e que vão surgir muitos mais PCR. Esqueçam. Não vai ser assim. Sabemos que um PCR será rentável em Lisboa ou no Porto, mas não será, nem hoje, nem daqui a cinco anos, em Bragança ou Elvas”, avisa.
A discussão em torno dos pagamentos centra-se, por enquanto, nos PCR, deixando de fora os carregadores normais, mas estes também terão de ser abarcados no futuro. A MOBI.E continuará a ser a gestora desta rede, num processo que se encontra atrasado em relação aos de carga rápida.
Sobre a rede dita normal, apontam muitos utilizadores, é essencial proceder à reparação e manutenção dos postos danificados ou desatualizados, sendo de notar que existe um esforço de atualização de potência de 3,7 para 22 kW, embora, como aponta o presidente da UVE sobre estes últimos, dos dez instalados, apenas oito estão a funcionar e nenhum a 22 kW “porque não há potência disponível”. O primeiro está instalado junto à Mesquita de Lisboa, “mas está a trabalhar a 7,4 kW, o que não é mau, sendo uma melhoria face ao anterior, mas que está longe daquilo que o posto pode dar”.
Recorde-se que a MOBI.E, que tem (ainda) a seu cargo a rede de carregamento nacional, anunciou em fevereiro os seus objetivos até final do ano, confirmando a aposta na expansão da rede e apresentando também alguns dados relativos a 2017. O destaque vai para o aumento de 171% no consumo de energia no carregamento de elétricos face a 2016 (num valor superior a 2000 MWh), com 4300 utilizadores “ligados” à rede. Contactada para prestar mais esclarecimentos sobre a sua estratégia futura, fonte da MOBI.E referiu não poder fornecer mais informações até que todos os detalhes dos pagamentos estejam finalizados.
Escolha para todos? Ainda não…
Apesar dos últimos avanços, optar por um elétrico afirma-se ainda como uma escolha mais orientada para quem pode moldar o seu estilo de vida em torno dos hábitos de carregamento, como notam alguns utilizadores. Algo que tende a diminuir com a melhoria das baterias, mas que é ainda a realidade para muitos condutores de VE. A questão impõe-se: será já uma escolha para todos?
Em conferência realizada recentemente em Portugal, Jörg Heinermann, responsável de Vendas e de Marketing Global da CASE, divisão criada pela Daimler para soluções de conectividade e eletrificação, sublinhou a aposta da companhia na eletromobilidade, mas também a ideia de que a variedade de modelos numa marca como a Mercedes-Benz significa que não é necessário “impor” já um veículo elétrico: “Porquê obrigar alguém que tem um estilo de vida que não seja o adequado a ter um carro elétrico?”, interrogou, antes de referir que o grupo germânico está bastante avançado no desenvolvimento de elétricos, como o EQC, um SUV com autonomia de 500 km que será revelado ainda neste ano.
Posição que tem eco nas palavras de Henrique Sánchez. A quem lhe pergunta se deve comprar um elétrico, “a política de resposta da UVE é de que se tem onde carregar em casa ou no trabalho, então não há problema, pode comprar uma moto ou carro elétrico. Se não pode carregar em casa e/ou no trabalho, então tem de pensar duas vezes porque ainda há muitos constrangimentos na rede pública”. À medida que os postos e as autonomias das baterias aumentam, cresce também o número de utilizadores.
Artigo de Pedro Junceiro com João Tomé