Rui Pedro Oliveira, portuense que acusa a Huawei de violação de patente em gadget, tenta acabar há dois anos animação sobre Fátima com a ajuda de dois milhões euros da Jerónimo Martins. Duas ideias, um acessório de gadget e a maior animação do país, levaram o empresário a ser destaque na TV e nos jornais (e ter apoios relevantes, como o do Presidente da República), mas tudo tem corrido mal.
Os últimos anos da vida de Rui Pedro Oliveira davam um filme. Na verdade, o empresário lançou-se em 2012 para fazer um filme ambicioso, a mais cara produção nacional – uma animação 3D sobre Fátima –, com orçamento de 10 milhões de euros. Só que, de peripécia em peripécia, até agora, ainda não há filme. Mesmo o trailer lançado em 2017 e propagado nas televisões nacionais na altura, perdeu validade por litígio com a anterior casa de produção. O empresário do Porto, de 45 anos, é dono da Imaginew, empresa com 19 anos, especializada em fazer sites para empresas e conteúdos como transmissões online em streaming “antes do Facebook fazer os seus Live”. Chegados a 2012, o gestor explica que tinha duas opções, “ou investir forte para concorrer com os gigantes ou mudar de rumo”. Mudou de rumo.
É neste contexto que chegam as duas ideias sonhadoras que alimentam a sua história rocambolesca, que contamos de seguida. O empresário, formado em engenharia mas que esteve “sempre ligado à gestão e ao marketing”, garante: “ambas as ideias surgiram por uma necessidade minha de criar algo que não existia no mercado”.
Ideia 1: um gadget (acessório para smartphone)
Foi no Europeu de futebol de 2012, na Polónia, após um Portugal-Alemanha (derrota para os portugueses) que, ao tirar uma fotografia com o telemóvel com amigos, teve a ideia de criar um sistema com lente para acoplar ao telemóvel, para ter a qualidade das câmaras compactas no telefone, “sem necessidade de passar as fotos da máquina para o computador”.
Sem qualquer experiência na área, foi o professor José António Salcedo (doutorado pela Universidade de Stanford), que lhe fez ver que podia candidatar-se a uma patente de design nos EUA. Assim o fez, registou tudo em abril de 2014, mas só em 2017 viria ter a patente de design e utilidade concluída para o tal acessório-câmara, com zoom 10x ótico e caraterísticas de câmaras compactas.
Depois de uma viagem ao Japão, na comitiva do ministro Paulo Portas, percebeu que não havia nada do género no país e ficou com o contacto de um americano que prometeu pô-lo em reuniões com tecnológicas nos EUA. Em maio de 2014 esteve no Texas, onde se reuniu com a Huawei e fez um périplo por várias outras empresas, como a Samsung, a Logitech ou a ZTE. Não teve nenhuma resposta positiva para novas reuniões “embora tenha recebido elogios”, explica.
Conflito com a Huawei
Chegados ao final de 2017, o empresário diz-nos: “mostraram-me que a Huawei lançou um aparelho que parecia copiar a minha ideia e quis fazer justiça”. O acessório para smartphone é uma câmara 360º, que se liga ao telemóvel, chamado Huawei EnVizion 360 – uma parceria com a marca Insta360. O que Rui Oliveira não nos indicou foi que, já em janeiro de 2017 era notícia no Negócios por “ameaçar levar a tribunal 11 multinacionais, incluindo a Sony, por violação de uma patente tecnológica nos EUA”.
Voltando à acusação feita à Huawei, o empresário explica-nos que tentou contactar a marca chinesa para indicar que estariam a violar a sua patente. Quase um ano de tentativas de contacto e tentativas de negociações, “que nunca avançaram verdadeiramente”, e já depois de ter “vendido a casa para pagar a advogados nos EUA” é informado que a Huawei o processou no Texas no final de março deste ano. Isto “quando era levado a pensar, por um representante da Huawei, que podia pedir um valor à empresa para posterior análise”.
Resultado? “De roubado e traído, passo a acusado”. A Huawei pede ao tribunal do Texas “uma declaração em como não infringiu a patente”, o que obrigou Oliveira a arranjar novo advogado, no Texas, para se defender. “Não queria ir para tribunal mas sim que chegássemos a acordo e isto é feito mais para me fazer perder tempo e dinheiro”, explica o empresário, que diz ainda não ter sido notificado oficialmente pela justiça norte-americana.
Pedro de Almeida Cabral, advogado especialista em patentes, considera os contornos do caso “estranhos”: “quando alguém tem provas sérias de violação de patente de uma invenção, onde pode ganhar milhões, segue para a justiça e depois é que pode haver acordo”. “As patentes de design, conhecidas em Portugal simplesmente como design, são muito fracas juridicamente e esta patente de utilidade, na terminologia dos EUA, que me parece que talvez não fosse concedida na Europa, têm de ter exatamente as mesmas caraterísticas para se considerar que houve violação de patente. Mas, de qualquer forma, a Huawei fez bem em pedir ao tribunal para esclarecer tudo para proteger a reputação da marca”, explica-nos o advogado da Macedo Vitorino & Associados.
Ideia 2: a primeira animação 3D portuguesa sobre Fátima
Partimos agora para a segunda ideia que o empresário teve em 2012, a da maior produção cinematográfica do país: um filme de animação 3D sobre Fátima. A ideia surgiu já depois do Europeu onde teve a tal ideia do acessório de gadget, quando passou por Fátima para deixar uma vela pelo seu pai e percebeu o potencial do Centenário das Aparições de Fátima (a 13 de maio de 2017). Daí surgiu a ideia de se aventurar em algo que nunca tinha feito (numa área onde “não tinha qualquer experiência”), um filme. Reuniu uma equipa e começou a criar o filme Fé.
Em 2015, numa entrevista ao DN, tinha já material de promoção ao filme e a data de estreia prevista era 13 de maio de 2017. Em maio de 2016, tinha já reunido o apoio do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa (que fez vídeos a apoiar o filme) e da Jerónimo Martins – dois milhões de euros que inclui merchandising em Portugal, na Polónia e Colômbia. Também tinha o “apoio do papa Francisco”, que “autorizou ao uso da sua imagem” e, com tudo isto, fazia capa da revista Sábado de 12 de maio (ver em cima). O “empreendedor obcecado que vai estrear o maior projeto nacional de animação”, dizia a revista na capa. Aparecia ainda na mesma altura no El Mundo e no The Mirror, por ter convencido José Mourinho a fazer a voz do papa Francisco.
O treinador português confirma-nos, através do seu assessor, que foi contactado na altura e deu o ‘sim’, por lhe indicarem que o projeto tinha apoios relevantes e por apelarem ao seu lado católico, daí ser algo feito em pro bono. Desde então nunca mais foi contactado e nunca mais tinha pensado no tema.
Fé nunca estreou. O que se passou?
Rui Oliveira explica-nos que mudou algumas coisas, porque quis aumentar a ideia, fazer “algo que valesse mesmo a pena”. Em janeiro de 2017, o projeto ainda era apresentado (no Negócios) com o nome Fé, “uma produção de oito milhões de euros”. Poucos meses depois, entre março e maio de 2017, surgia com destaque nas televisões portuguesas e nos jornais nacionais, apelidada da maior produção nacional, 10 milhões de euros, e o título já era Fatima and the Secret Treasure.
A animação estava a ser feita pela prestigiada casa de animação polaca, Platige Images (que contribui para a série de animação da Netflix coordenada por David Fincher, Love, Death & Robots). Uma reportagem da TVI mostrava, em março de 2017, o trailer do projeto, “aprovado pelo Santuário de Fátima”, e uma apresentação no próprio no Vaticano repleta de declarações de apoio ao filme de figuras relevantes da Igreja Católica. A data de estreia em alguns meios era de janeiro de 2018, noutros era maio de 2018 – a Imaginew juntou o impacto mediático que o filme conseguiu na altura neste link.
(O teaser ou trailer do filme, apresentado em março de 2017 pela Imaginew. Uns meses antes a Platige tinha publicado no seu canal YouTube outra versão do trailer)
O filme não estreou durante 2018 e nunca mais foi notícia. Só agora, com a polémica das acusações à Huawei a chegarem aos jornais, é que o nome do empresário voltou, por outros motivos diferentes do filme, à ribalta mediática.
O que aconteceu agora? Novo conflito (e troca de acusações)
Rui Pedro Oliveira explica-nos que houve um conflito com a produtora polaca e, agora, colocou-os em tribunal, na Polónia, por “não cumprirem com o prometido” e, diz, “por quererem mudar os valores morais do filme”. Contactámos a produtora polaca Platige que, inicialmente, pediu alguns dias para responder (por férias de responsável) mas, perante a nossa insistência, conseguiu enviar a tempo uma resposta oficial, onde desmente o empresário português, indicando que quem não cumpriu com a sua palavra terá sido Oliveira.
“A colaboração entre a Imaginew e a Fatima Film [entidade criada pela Platige para produzir a animação] terminou como consequência das falhas da Imaginew em cumprir aquilo com que se tinha comprometido, nomeadamente os pagamentos previstos no contrato”. A resposta oficial indica ainda que “logo o primeiro pagamento previsto já foi feito depois da data”, com a empresa portuguesa “a falhar depois os compromissos financeiros seguintes”.
Os responsáveis da Platige explicam ainda outras consequências: “toda esta desonestidade resultou em perdas significativas para a nossa empresa, já que o projeto tinha gerado para a empresa na altura em que falharam os pagamentos enormes custos financeiros, com compromissos de longo termo já feitos com os realizadores por motivos de produção”. A resposta continua, indicando que, “a falta de pagamentos também resultou em danos reputacionais e tornou necessária a suspensão da produção do filme.” Com tudo isto somado, sairam do contrato, “de acordo com os regulamentos legais”, enquanto ao mesmo tempo mantiveram “todos os direitos do trabalho já feito” (onde se inclui os únicos trailers ou teasers apresentados do filme).
Uma versão bem diferente da que Rui Pedro Oliveira nos deu. Agora, o empresário diz apenas que está a tentar concretizar o quinto guião desde que começou a aventura, com a animação a estar agora a ser feita por uma produtora espanhola, a Filmayer, com o realizador Ángel Blasco ao leme.
Oliveira, indica, que já foram gastos três milhões de euros, dois da Jerónimo Martins e algum dinheiro do próprio empresário, bem como outro resultante da venda de cerca de 12% dos direitos do filme. O grupo Jerónimo Martins confirma-nos os valores – os dois milhões de euros – e que continua à espera que o filme estreie, embora indique que não sabe de data prevista: “Na qualidade de patrocinadores, fomos informados pelo produtor executivo Rui Pedro Oliveira que, para benefício da qualidade do filme enquanto produto final, a estreia deveria ser adiada. Não temos para já informação de nova data”.
Rui Pedro Oliveira explica-nos que o grupo português dono do Pingo Doce cumpriu com tudo o que prometeu inicialmente e que os tem informado dos problemas que se têm verificado. “Eles têm sido compreensivos”, explica. Curiosamente, o empresário indica que conseguiu o apoio da Jerónimo Martins graças a uma notícia de jornal: “eles viram notícias sobre o projeto e quiseram participar”.
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Em busca de (mais) apoios
“Se alguém estiver interessado, estamos disponíveis para vender parte do filme, que vai ser algo único e nunca feito em Portugal”. O empresário espera amealhar mais algum dinheiro, para chegar ao tal orçamento de 10 milhões de euros, “com pré-vendas, onde nos adiantam dinheiro das futuras receitas”. Dá ainda o exemplo do produtor e realizador Leonel Vieira que “com O Pátio das Cantigas [remake de 2015] já tinha triplicado o valor gasto com o filme em três semanas de exibição”. O filme de Vieira é o mais rentável na história do cinema português, rendendo três milhões de euros (o orçamento era de um milhão de euros), bem mais do que o segundo filme com melhor receita, O Crime do Padre Amaro, que rendeu 1,6 milhões em 2005.
Quando irá o filme estrear? “Neste momento estamos a produzir a 70%, mas havendo apoios podemos compensar e produzir a 150%. Se tivermos 300 animadores fazemos o filme em seis meses, mas não estamos nem a metade disso neste momento”. Ou seja, “se tudo correr bem, dentro de um ano, um ano e meio, podemos ter o filme pronto, com qualidade sem precedentes e começar a dobrar para várias línguas e começar a distribuir”.
Leonel Vieira admite à Insider/Dinheiro Vivo que este “parece ser um projeto muito ambicioso” e que é normal haver percalços em filmes complexos. No entanto, deixa a ressalva, “as animações 3D demoram dois a três anos a fazerem-se”.
Rui Pedro Oliveira, que chegou a tentar, sem sucesso, incluir o católico Mel Gibson nas vozes do projeto, quer estrear em vários países do mundo, “à vez ou em simultâneo”, mas não exclui a possibilidade de tentar vender à Netflix ou Amazon. Hipóteses à parte, o empresário garante que mantém vivo o sonho da animação sobre Fátima.
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