Falámos com o especialista no mercado de trabalho – consultor para as grandes tecnológicas de Silicon Valley, Steve Cadigan, sobre os benefícios e desafios do emprego na era digital.
Há cada vez maior incerteza no mercado de trabalho. Os empregos para a vida estão longe de ser a regra e na era do digital, da internet e da inteligência artificial que alimenta robôs que podem substituir os humanos em vários trabalhos, há novas oportunidades e preocupações.
Um estudo recente da consultora McKinsey indica que os millenials (nascidos a partir do início dos anos 1980 e até aos anos 1990) vão ter, em média, 11 empregos diferentes ao longo da sua vida, contrastando com o hábito de “emprego para a vida” que era tendência anterior. Quais serão os empregos do futuro? Muitos ainda terão de ser criados.
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Neste contexto, falámos com o norte-americano Steve Cadigan, que é especialista no mercado de trabalho há vários anos e um conselheiro privilegiado na hora de contratar talento para as tecnológicas de Silicon Valley, na Califórnia.
Cadigan fundou, entretanto, a sua própria empresa, a Cadigan Talent Ventures, e passa os seus dias em palestras e a aconselhar empresas sobre a forma como liderar e agir na era da economia digital requer novas competências e novas culturas de empresa. Mais recentemente co-fundou a Universidade Digital ISDI.
Houve uma altura em que as pessoas se preocupavam em ter um emprego para a vida. Os millennials vão ter, em média, bem mais empregos na sua vida do que os seus pais. Quais são as vantagens e desvantagens de mudar de emprego na cultura de trabalho atual?
Hoje estamos a viver uma mudança profunda no nosso relacionamento com o trabalho. É verdade que no passado pensávamos nas carreiras como uma única via, que incluia até trabalhar na mesma empresa toda a vida, mas hoje, esta era digital, temos mais oportunidades e mais visibilidade do que nunca para aquilo que fazemos. Isto acaba por ser entusiasmante para quem trabalha, mas desafiador para grandes empresas que estão a lutar pela lealdade e retenção de talento. O significado de trabalhar e ter um emprego é muito diferente hoje do que era no passado.
Com a evolução da economia ‘Gig’ (termo inglês usado para definir o trabalho temporário ou posições temporárias para trabalhadores independentes), temos mais maneiras do que nunca de ganhar dinheiro sem ter um verdadeiro “emprego”. Ou por outras palavras, podemos complementar as nossas receitas sem termos de ser um “funcionário” e podemos ser mais independentes do que nunca. Estamos apenas na fase inicial desta economia ‘Gig’, daquilo que tudo isto pode significar para cada um e pode modificar a forma como pensamos sobre o que é o trabalho.
Na verdade, no mercado atual de trabalho e talento, acho que é fantástico que tenhamos muito mais aventuras e oportunidades de trabalhar de formas diferentes e em organizações distintas. Vamos ficar expostos a outras culturas e práticas. Esta é uma grande nova realidade repleta de oportunidades para os indivíduos e que acaba por ser possível por vivermos nesta era digital.
“Hoje os meus filhos já não pensam em ser médicos ou advogados ou professores ou bombeiros ou polícias – querem é ser bloggers e yutubers e fazer algo criativo numa plataforma única dessas. As crianças de hoje percebem desde cedo que existem muitos trabalhos únicos e interessantes”
Pela sua experiência, o que é a internet mudou no mercado de trabalho que teve maior impacto, positivo e negativo?
Acho que a forma mais massiva com que a internet mudou o mercado de trabalho é que deu maior visibilidade ao mundo em geral em termos daquilo que é possível concretizar. Hoje os meus filhos já não pensam em ser médicos ou advogados ou professores ou bombeiros ou polícias – querem é ser bloggers e yutubers e fazer algo criativo numa plataforma única dessas.
As crianças de hoje percebem desde cedo que existem muitos trabalhos únicos e interessantes e podem ganhar a vida com algo que muitos nem sabiam que existia. Graças a sites como o Linkedin, podemos também ver o que é precisamos nas termos determinadas carreiras . Por exemplo, qualquer um pode ver no LinkedIn que, para se tornar um CEO de uma empresa, não sempre é preciso ter um curso de economia ou de gestão. Como é sabemos isto? Porque podemos entrar no LinkedIn e ver centenas de CEOs com uma diversidade de experiências e formações diferentes em várias organizações importante. Isto é incrível.
A segunda forma como a internet está mudar o mundo do emprego é que permitiu que as pessoas competissem e mostrassem o seu valor a partir de qualquer lugar do mundo. Por exemplo, estou a trabalhar numa apresentação com uma pessoa na Ucrânia que me está a ajudar a fazer alguns slides, enquanto outra pessoa na Austrália está a ajudar-me a desenvolver outra apresentação para uma conferência diferente. Encontrei estas duas pessoas na internet e estão agora a ajudar-me à distância e com um salário justo. Isto também é incrível! O lado mais negro da internet a nível do trabalho é que agora podemos ver melhor aquilo que nos falta e que os outros até têm e temos mais inveja do que nunca. Por exemplo, a Gallup acaba de publicar um estudo que indica que apenas 15% dos trabalhadores atuais estão verdadeiramente envolvidos. Por que isto acontece? Como é que possível que o envolvimento seja tão pobre quando hoje até temos mais informações do que nunca para tomar melhor as decisões profissionais?
As empresas podem obter mais informações sobre os candidatos do alguma vez o conseguiram e os candidatos podem obter mais dados sobre as empresas do que nunca. Então, por que é que o envolvimento nos projetos é tão baixo, quando estamos a tomar decisões sobre os locais onde trabalhamos com as melhores informações da história? Eu acho que é baixo porque depois de escolhermos onde vamos trabalhar, alguns meses depois vemos no Facebook, no LinkedIn ou no Instagram algum amigo noutra empresa a fazer algo entusiasmante ou único. Ficamos com inveja. Esse é um problema com o qual muitas empresas se debatem hoje.
“O lado mais negro da internet a nível do trabalho é que agora podemos ver melhor aquilo que nos falta e que os outros até têm e temos mais inveja do que nunca.”
As empresas são mais flexíveis e procuram pessoas mais versáteis hoje em dia. Esta mudança afeta a forma como se olha (e “vive”) os empregos agora?
Estamos a falar de empresas mais preparadas para a era digital e essas, sem dúvida, querem pessoas mais adaptáveis e ágeis, capazes de aprender e crescer rapidamente. Isto é fundamental porque o futuro é tão incerto que toda empresa sabe que vai precisar de continuar a mudar. Da mesma forma que eu acredito que os trabalhadores, hoje, querem trabalhar para uma empresa que irá ajudá-los a crescer e a se desenvolverem e a garantir que eles tenham o que eu chamo de “Seguro de Carreira”.
Ou seja, que sintam que se se juntarem a uma determinada empresa vão crescer. Não me parece que os trabalhadores hoje continuem a procurar emprego para a vida. A maioria até pode querer, mas no fundo sabe que é impossível para qualquer empresa garantir isso. Pense nisto: quantas empresas conseguem garantir que vão continuar a empregá-lo nos próximos cinco anos? Já ninguém garante emprego. Agora é tudo uma questão de desenvolvimento e crescimento na empresa. Enquanto alguém estiver na ‘minha’ empresa, seja um, dois, três, quatro ou cinco anos, vamos investir nele e dar-lhe competências seja para ajudar a empresa ou para o futuro da pessoa outro lugar. Esse tem de ser o acordo.
A Apple e outras empresas de tecnologia são conhecidas por serem exigentes, com excesso de horas de trabalho em certos projetos. É difícil sustentar esse modo de vida por muitos anos? As empresas de tecnologia estão cada vez mais conscientes disso e a melhorar as condições dos funcionários?
Este é um problema real e frequente: o esgotamento, stress e falta de um equilíbrio saudável na vida de um trabalhador nestas áreas. Acho que nenhuma empresa deve esperar que o funcionário sacrifique tudo por eles e dedique à empresa todo o seu tempo. Mas o desafio atual é que é mais difícil do que nunca desligar por completo de um projeto porque o telefone, e-mail e mensagens estão sempre ligadas.
Se alguém quiser ser dono da sua própria liberdade, terá de aprender a dizer não. As empresas lutam por ser competitivas mas têm de equilibrar essa luta sem esgotarem os seus funcionários. Esta é uma questão atual que todos enfrentam hoje, mesmo fora das empresas de tecnologia. Encontrar esse equilíbrio certo leva a que tanto o funcionário quanto a empresa negoceiem algo que seja justo e correto, mas é um problema simples de resolver.