Novos escritórios, um foco maior nos EUA, muita tecnologia de tradução que já serve TAP, EDP, EA Sports, Facebook, Microsoft ou PayPal e a certeza que vão ser um unicórnio. Vasco Pedro, CEO da Unbabel, explica-nos como a empresa consegue ser mais atrativa do que a Google e como quer eliminar as barreiras de comunicação entre línguas no planeta.
O português Vasco Pedro está numa missão. E qual é ela? “Criar uma empresa global”, até porque “temos a oportunidade de resolver um problema fundamental: eliminar as barreiras de comunicação entre línguas no planeta”. Aos 42 anos, o co-fundador e CEO da Unbabel vive em Mountain View, na Califórnia e, depois de três tentativas falhadas no empreendedorismo acertou na quarta ao criar esta plataforma de tradução humana movida a inteligência artificial que cresce a olhos vistos desde 2013.
“Estamos em franco crescimento, já com 267 empregados, o que é o dobro do que tínhamos há um ano”, diz-nos o português que criou a Unbabel num fim de semana de surf e ideias com quatro amigos (João Graça, Hugo Silva, Bruno Silva e Sofia Pessanha). Com escritórios em São Francisco, Pittsburgh, Nova Iorque e, desde janeiro em Singapura – para entrar na Ásia -, também duplicaram nas receitas de 2018 para 2019 (10 milhões de dólares).
Vasco Pedro admite-nos à margem do evento da Microsoft, Building the Future, que “tem sido uma aventura interessante”. Este engenheiro de linguagem de conhecimento que partiu em 2001 para os EUA – tem um doutoramento da Universidade Carnegie Mellon -, não tem dúvidas que a sua startup vai ser um unicórnio – empresas que valem mais de mil milhões de dólares -, juntando-se à Farfetch, à OutSystems e à Talkdesk. E no horizonte também estará uma entrada em bolsa, mas nada disso se assume como determinante já que o objetivo é tornar a empresa verdadeiramente global e determinante na missão de tornar a tradução em algo imediato e fácil.
Na competição pelo melhor talento na área de inteligência artificial, Vasco Pedro também nos explica que é possível competir e até ser mais atrativo para os jovens do que a Google. Por um lado, o facto da Unbabel ter uma missão mais focada nesta área da tradução – quer “construir o entendimento universal” – e com maior visibilidade pode atrair quem se interesse por esse tema. Por outro, na Google qualquer um “é uma pecinha no meio de um puzzle gigante” e na Unbabel “consegue-se ter muito mais impacto” numa equipa mais pequena.
A lista de clientes da Unbabel na área de tradução (combinam um sistema neuronal e de machine learning com uma comunidade de tradutores humanos) é invejável. Da lista de clientes fazem parte a TAP e a EDP em Portugal, mas também Facebook, Microsoft, Logitech, PayPal, EA Sports, RockStar Games, easyJet, Booking.com, Under Armour ou Pinterest.
A empresa que tem feito alguns testes em vídeo e ferramentas de transcrição de áudio, tem preferido focar-se apenas no seu core business ligada aos serviços de apoio ao cliente de empresas, tendo situações onde a tradução já é feita 90% por máquinas e 10% de auxílio humano e outras em que é 90% com ajuda humana.
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Vasco Pedro traça-nos, na entrevista de seguida, uma comparação com outra empresa portuguesa prometedora, a DefinedCrowd. Sobre a forte presença da empresa que tira o seu nome ao mito antigo da Torre de Babel, que explica as diferentes línguas no planeta, nos EUA, é uma questão de negócio e oportunidade, de acordo com o CEO.
A Unbabel tem beneficiado da “componente prática e de constante experimentação da cultura norte-americana”. “Aqui há uma maior capacidade ao experimentar sem dar tanta importância quando se falha, assume-se que isso faz parte da experiência da aprendizagem, o que traz maior capacidade de reinventarmos produtos e empresas”, explica Vasco Pedro. A presença em São Francisco, onde abriram o ano passado mais um escritório, permite não só estar em contacto com os clientes, alguns dos gigantes tecnológicos, como também coloca a empresa “em contacto com o berço de experimentação, o sítio onde pessoas de todo o mundo chegam para mudar o mundo”, o que leva a que “as coisas funcionem mais rapidamente”.
O impacto a nível pessoal é “bastante grande”, pelo “ritmo a que tudo se move na empresa”. “Sinto uma necessidade da empresa em que eu continue a evoluir constantemente”. O crescimento enorme da empresa vai mudando também as variáveis do dia a dia. “Isso também muda a forma como gerimos a Unbabel”, admite Vasco, que tem de ir adaptando rapidamente os processos na empresa. Embora seja “entusiasmante”, também “é uma montanha russa para perceber como lidar com as novas oportunidades”.
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Segue-se a entrevista:
Em que ponto está neste momento a Unbabel? Um crescimento enorme, certo?
Estamos em franco crescimento. Temos já 267 empregados, ou seja, duplicamos o número no ano passado. Abrimos escritórios em São Francisco, Pittsburgh e Nova Iorque e em janeiro abrimos em Singapura. Os escritórios também continuam em crescimento. Acabámos 2018 com menos 5 milhões de dólares de receitas e acabámos 2019 com mais de 10 milhões, mais do que duplicamos as receitas. Tem sido uma viagem interessante.
Ser um unicórnio [empresa que vale mil milhões de dólares, como a Farfetch e a OutSystems] está nos objetivos?
É a mesma coisa sobre se vamos abrir em bolsa em algum ponto. O nosso objetivo é criar uma empresa global e há uma oportunidade de resolver um problema fundamental. E acho que faz sentido, vai ser normal nesse processo passarmos a ser unicórnio ou abrir em bolsa. Acho que tudo isso tudo vai acontecer, mas não é um objetivo como empresa. Não estamos a trabalhar nesse sentido, acho que será uma consequência do trabalho.
Pittsburg está ao lado da Universidade de Carnegie Mellon, é essa a vantagem, pela proximidade ao talento na área de inteligência artificial (IA)?Pittsburg é onde temos uma equipa de IA a ser desenvolvida. Recursos de IA são escassas, há uma falta de recursos no mundo inteiro. As nossas ligações, temos fortes ligações à Universidade de Carnegie Mellon, permitiu-nos capturar parte desse talento. Nós hoje em dia, o tipo de talento que estamos à procura na parte de inteligência artificial, tipicamente estamos a competir com Google, Facebook, com empresas deste tipo, e é uma vantagem para nós estarmos em Pittsburgh.
Nessa competição de talento, o que vos diferencia para conseguirem ser mais atrativos do que uma Google? Ajuda ter um projeto mais pequeno e focado?
Sim, ajuda. Mas a nossa base é: 1. A identificação com a missão da empresa. O nosso objetivo é criar “the worlds translation layer“, a camada de tradução do mundo, construir entendimento universal, ou seja, como nós fazemos com que empresas e pessoas consigam comunicar facilmente em qualquer língua e em qualquer situação. Há pessoas que estão muito alinhadas com esta missão. Para elas é importante, experienciaram as dificuldades em perceber outras línguas, viajaram, identificam-se com o problema. A outra é: uma empresa como a Google, com dezenas de milhares de empregados e várias áreas, uma pessoa sente-se uma pecinha no meio de um puzzle gigante – mesmo fazendo coisas impecáveis. Numa empresa como a Unbabel consegue-se ter muito mais impacto e há pessoas que vêm isso como fundamental. Depois, mesmo a nível de ambiente de trabalho, há pessoas que se sentem muito mais confortáveis em equipas mais pequenas e sentem-se a agilidade de implementação. Do tipo: tenho uma ideia hoje e daqui a uma semana consigo por isto cá fora e por pessoas a testar. É uma boa mais valia.
E depois há a parte de inteligência artificial, mas aí não tanto em competição com a Google ou o Facebook, já que há o mesmo nível do tipo de ferramentas e o tipo de ambiente em que se trabalha em tecnologia, mas com outras empresas mais tradicionais temos também uma grande vantagem, sobretudo no mercado nacional. Acho que neste momento nós somos a empresa que está a fazer coisas em IA mais avançadas, práticas, com investigação.
Na área da tradução em concreto?
Na área da língua em geral, não é só da tradução. Porque além dessa parte acabamos por fazer previsão de qualidade, a parte das ferramentas de processamento de linguagem natural que precisam de ser criadas a nível de processamento de texto, de segmentação sintática, semântica, etc. Quem está interessado em processamento de linguagem natural não há um sítio melhor para estar do que a Unbabel em Portugal e na Europa.
É curioso, mas há outra empresa portuguesa que também está nos EUA e também lida, de forma diferente, com a tecnologia e a linguagem, a DefinedCrowd. Vocês não estão no mesmo espetro, mas estão lá perto, é isso? Como se olham mutuamente? Não são rivais?
Não somos. Não houve nenhum cliente até agora que tenha falado em semelhança, porque os produtos são muito diferentes. A DefinedCrowd o que neste momento se foca, tanto quanto consigo perceber, é na capacidade de permitir às empresas o treinar inteligência artificial rapidamente, e nós fazemos o serviço completo. Os nosso completos não querem treinar inteligência artificial, querem que os agentes deles consigam falar várias línguas ou que a comunicação interna das empresas aconteça em várias línguas. A maneira como isso acontece isso é connosco. Conseguimos fazer isso de maneira altamente otimizada e ao fazer isso temos de desenvolver toda a parte de IA, mas é diferente do que fornecer o serviço de treinar IA. Além de que a DefinedCrowd começou muito por discurso e nós começámos pelo texto.
O motor de negócio atualmente é qual a nível de clientes? E de que forma Portugal também contribui para o negócio?
Nós em Portugal temos a TAP, a EDP, como clientes. O que foi sempre interessante. Se virmos do ponto de vista vertical, para nós, os nossos maiores verticais são viagens, e-commerce, high tech (Facebook, Microsoft, Logitech, PayPal – fornecemos produtos para eles). Depois também temos gaming, empresas como EA Sports, RockStar Games, toda a parte de gaming e agora também a área de fintech, com GoCartless e uma série de outros clientes. O que notamos é que o nosso cliente é um cliente B2C, portanto, negócios pensados para o consumidor em que as transações são pagas e justifica ter serviço de apoio ao cliente de alta qualidade. E aí faz sentido usar Unbabel.
E aí o serviço mais típico é o tradução em simultâneo?
O serviço, no fundo, é permitir serviço de apoio ao cliente em várias línguas. No fundo, uma empresa hoje tem duas opções, ou contrata pessoas que falem essas línguas, ou contra pessoas que falam inglês mais a Unbabel. E isso permite uma otimização muito grande e uma maneira diferente de fazer serviço de apoio ao cliente, porque em vez de termos de pensar que precisamos contratar X pessoas que falem uma certa língua, o pensamento passa a ser contratar pessoas para um certo produto apenas. Toda esta nova maneira de pensar o serviço de apoio ao cliente, quando se elimina a linguagem como uma variável, abre uma série de possibilidades.
A tradução de vídeo também é uma aposta?
Tem sido interessante aumentar as áreas que fazemos. É daqueles casos um pouco como a tradução, a pessoa começa e pensa que é fácil, é só traduzir, depois começa-se a perceber que há uma série de subcasos de tradução, em que cada um tem especificidades, o tipo de conteúdo, de caso de uso, de língua. Implicam soluções bastante diferentes. No vídeo é a mesma coisa, começámos com uma abordagem geral e e começámos a perceber que há vários segmentos. Pesquisa de mercado é um deles. Ou seja, recolher depoimentos em vídeo de clientes para processar a informação e ter uma noção de qual o feedback em relação a uma marca. Até a emissões, legendagem da Netflix e afins. Cada caso tem especificidades diferentes. Tem havido um grande avanço na nossa qualidade e velocidade, mas acho que este ano é que vamos conseguir atacar o mercado de emissões (broadcasting), que eu acho que é o mais interessante.
A Netflix ainda usa muito humanos. Um dos objetivos pode passar a ser, por exemplo, a testar com a Netflix ou outro serviço streaming?
Sim, é esse o objetivo. Seria fantástico conseguir fazer algo com a Netflix, claro.
A nível de motor tecnológico para desenvolver aquilo que vos distingue na tradução. Têm a parte de inteligência artificial e a parte da comunidade de pessoas que ajuda nesse processo. Como se divide este binómio em termos tecnológicos?
Depende do tipo de conteúdo. Conteúdos tipo chat, conversação, 10% de esforço humano e 90% de IA. Conteúdos mais técnicos, de FAQ (Perguntas Frequentes) ou bases de conhecimento, verifica-se o contrário: 90% humano e 10% IA. E o que há é uma progressão no sentido de amplificar a capacidade humana e ter a IA a fazer uma percentagem maior do trabalho.
Tudo isto depende muito do conteúdo, não há uma fórmula. É por conteúdo e língua específica, porque há línguas em que a IA está mais avançada. Por exemplo, inglês para espanhol está mais avançado do japonês para inglês, por exemplo. Essa progressão está a acontecer a um nível muito rápido, o que é interessante.
A nível de previsão para os próximos anos, têm noção de quanto poderemos atingir um nível otimizado de tradução mais perfeita feita por máquinas e sem humanos?
Mesmo quando a tradução está otimizada o ser humano continua a ser necessário, só que começa é a ter um papel diferente. Serve mais como treino para a tradução por IA. Por exemplo, no caso de chat, mesmo quando a interação é toda em IA, depois a seguir vai haver um humano que vai dar o aval e, em alguns casos, retraduzir para treinar o motor. O human in the loop – humano no processo – continua a existir porque o treino nunca acaba até porque a linguagem é uma coisa viva, há sempre coisas novas a acontecerem, sentidos novos a incluir.
Projeções e desejos de crescimento para o próximo ano, quais são?
Queremos continuar a apostar nos EUA e já representa cerca de 50% da nossa receita e vai continuar a crescer. Na Ásia, abrimos agora escritório em Singapura, este ano é mais para definir estratégia e para o ano é que devemos investir mais e acho que há um potencial enorme aí. E depois na Europa temos escritório em Lisboa, mas vamos abrir provavelmente mais dois escritórios, que devem ser na Alemanha e num país nórdico, embora ainda não esteja totalmente definido.
A nível de funcionários são já muito variados. Tem ideia de quantos portugueses fazem parte da equipa?
Cerca de 60% da equipa em Lisboa é portuguesa, ou seja, 40% não são portugueses. Nos EUA temos dois portugueses, o resto não.
Começaram a testar o ano passado uma ferramenta para jornalistas, em que ponto está?
Sim, tem estado em beta e ainda não lançámos como produto. Temos de continuar a testar.
Na Web Summit havia algo semelhante da empresa Otter…
Conheço bem o CEO e têm um produto muito giro e muito focado. Funcionam muito bem. Não são bem rivais, têm um uso diferente. Nós começámos a desenvolver a tecnologia para jornalistas porque estamos sempre à procura de maneira de processar som e a perceber como integrar o som na nossa plataforma. E isso é um caso interessante. Mas manteve-se em beta porque temos de ter cuidado para não ficarmos demasiado distraídos. Temos de focar os nossos esforços.
Pode ouvir a entrevista em formato aúdio (não editada) de seguida: