Eurico Assunção é o líder de um organismo com sede em Oeiras que coordena as certificações para a indústria mundial e explica-nos as novas tendências na área da impressão 3D e cibersegurança. “Não se pode cair no erro de que a tecnologia vai resolver tudo”, admite.
Chama-se Eurico Assunção e tem a seu cargo uma organização que cresce a cada dia que passa e com influência na industria mundial. Este português engenheiro de formação e doutorado em soldadura no Reino Unido é, desde 2011, responsável por fazer crescer a olhos vistos uma instituição sediada na Europa – na verdade a sede fica mesmo em Porto Salvo, Oeiras – mas de dimensão internacional.
Assunção é diretor geral adjunto da EWF (Federação Europeia de Soldadura e Corte), que gere e certifica as qualificações soldadura, adesivos e impressão 3D a nível internacional. As qualificações que certificam têm aplicações industriais, daí que sejam as várias empresas industriais que vão indicando que tempo de formações precisam.
“Na prática damos um selo de qualidade e certificamos os centros de formação de todo o mundo e temos já 700 que certificamos. A maioria está na Alemanha, mas a China está a aproximar-se rapidamente”. Eurico Assunção admite ainda que a área de impressão 3D é a mais recente e aquela que tem mais potencial de crescimento. “Só começámos a certificar cursos de impressão 3D (também chamado de fabrico aditivo) em julho passado e é uma área que deve fazer a diferença em breve”, admite-nos o responsável.
A utilidade dessa vertente “depende de setor para setor”, mas é possível desde “desenhar peças que já estão em aviões para que sejam mais eficientes e leves”. No setor médico também pode fazer a diferença nas próteses “faciais ou encefálicas”, “para personalizar uma peça para um indivíduo específico, mas há um mundo no design de peças à medida para a indústria que se abre com a impressão 3D”, algo que também traz grande poupança em material porque “evita substituir peças maiores”.
LASIMM, um gigante da impressão 3D
Neste contexto, recentemente uma equipa de investigadores do Instituto Superior Técnico e a própria EWF foram parceiros num projeto que criou um sistema robótico de impressão 3D multi-modular. O objetivo? Impactar a produção de componentes ou diferentes peças para a industria no futuro. O Técnico trabalhou sobretudo no desenvolvimento de procedimentos para deposição de material e de controle não destrutivo, e a EWF coordenou o projeto e forneceu formação para os técnicos que operariam esta máquina chamada LASIMM (Large Additive Subtractive Integrated Modular Machine).
Do projeto saiu uma das maiores impressoras 3D metálicas do mundo, capaz de produzir componentes a partir de um desenho CAD, combinando as características de diversos processos de fabrico individual numa só plataforma. Dai também saiu o software que permitiu integrar 22 eixos de dois robôs de deposição, um robô de maquinagem e um sistema posicionador de grande dimensão, tecnologia que permite a produção de componentes até 5 metros de comprimento e 3 de largura. O projeto só deve estar pronto para distribuição comercial no final do ano.
Outra das novidades nas qualificações é a maior procura por operadores de robôs. “Os fabricantes têm tido essa necessidade, com o aumento dos robôs e da automatização dos processos de fabrico”.
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Do espaço à defesa, as novas tendências
Tem também havido um grande aumento de pedidos de qualificações para o setor espacial, “muito específico e limitado”, havendo bem mais pedidos para a indústria aeroespacial onde a Airbus é uma das empresas mais influentes a utilizar as certificações da EWF. “As pessoas sentem-se confusas sobre o que tirar e acabam por usar o nosso sistema de qualificações para se focarem melhor”. Da lista de qualificações de diferentes níveis disponíveis, há mais na área de soldadura (54 qualificações), seguindo-se de engenheiros para fabrico aditivo, a tal impressão 3D (10 qualificações). “É um sistema muito utilizado por engenheiros que já fizeram o curso na universidade e querem tirar a qualificações extra”, admite.
O setor da defesa é um dos mais sensíveis para onde têm certificado cursos. “Procuram-se agora novas qualificações, não para soldados mas para trabalhadores no apoio à indústria da defesa de fabrico de peças e afins”. A robótica e os drones autónomos são outras das áreas que estão a tentar desenvolver em termos de certificações, quase sempre associados ao setor da defesa. O que mais nota é a falta de pessoas qualificadas tanto no setor da defesa, como no setor espacial ou aeronáutico. “Empresas como a Airbus ou a Rolls Royce, que faz os motores dos aviões, têm problemas para contratar pessoas com as qualificações que precisam, por isso qualificam elas próprias pessoas que têm formação noutros setores”, indica.
EWF em Portugal: impressão 3D já tem formação aprovada
Voltando a Eurico Assunção, o responsável do EWF explica que a federação que gere foi criada em 1992 por alguns institutos europeus de soldadura. O português ISQ (Instituto de Soldadura e Qualidade) “ganhou o concurso inicial e a sede ficou em Portugal”. “De cinco em cinco anos há nova eleição e Portugal tem ganho sempre”, admite.
A relação com Portugal tem sido forte desde o início e, além de centros em soldadura certificados pelo EWF do ISQ ao Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) passando pelo Cenfim, também estão a aprovar formações em adesivos e colas e a primeira formação nacional em fabrico aditivo – a tal impressão 3D – foi aprovada em janeiro (será dada pelo ISQ). A impressão 3D já está a ajudar na indústria dos moldes para plásticos – na zona da Marinha Grande – onde é “ajuda preciosa para fazer pequenos detalhes”.
Quanto aos desafios do cargo passam por desenvolver qualificações para a indústria, desde as PME aos gigantes. “Nos últimos 3 ou 4 anos há novas tendências de economia circular mesmo na manufatura e temos trabalhado no que é necessário para as introduzir”. Do trabalho inicial muito focado na soldadura, agora há uma aposta forte também “nas qualificações de suporte Blockchain associadas à indústria e de inteligência artificial”. Outro desafio é criar harmonia mundial entre as qualificações, “para que existam termos comuns entre países diferentes”. Por isso têm desenvolvido workshops com peritos para que continuem alinhados com o que a indústria pede.
“Não se pode cair no erro de que a tecnologia vai resolver tudo”
Cerca de 20 mil pessoas são formadas em cursos certificados pelo EWF todos os anos. Para os próximos anos Eurico Assunção espera mais pessoas qualificadas nestas várias áreas, mas deixa desde logo um aviso: “há muito o erro de se achar que a tecnologia vai resolver tudo e mais alguma coisa e, na maior parte dos casos, não resolve”. Apesar da evolução rápida e “frenética dos últimos anos inclusive nas novas máquinas que surgem durante todo o ano”, o responsável admite que é preciso saber bem “quando se deve ou não usar a tecnologia, para evitar erros custosos”.
Nos processos de impressão 3D, por exemplo, “há uma grande variedade de hipóteses e é preciso escolher o processo certo para evitar problemas graves”. “Já há peças metálicas feitas por impressão 3D a voar em aviões. é uma tecnologia já presente, mas que requer cuidados extra por erros podem ter custos complicados”, alerta o português.
Além de consolidar o sistema qualificações em impressão 3D, Eurico Assunção quer criar “qualificações noutras áreas ou noutros processos – por exemplo, o blockchain, isto sempre associado ao fabrico -, mas também qualificações na área dos sensores, da inteligência artificial e da cibersegurança para que a indústria esteja a par das novas tendências”.
A maior dificuldade é o facto da tecnologia se movimentar de forma mais rápida do que as certificações de formação. “Demoramos um ano para conseguir terminar uma certificação que agrade à maioria e às vezes esse é o tempo para as coisas mudarem”, admite Assunção.
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