Bloqueio dos EUA à Huawei está a prejudicar a empresa chinesa tanto na percepção global, como no acesso a fornecedores. Se a China retaliar a Apple pode perder 29% dos lucros e todo o negócio de smartphones pode estar em causa, pelo menos nos preços praticados.
A Huawei está em apuros. Mesmo sem provas concretas de que os seus equipamentos estejam comprometidos, o bloqueio dos EUA tem prejudicado a marca, inclusive em reconhecimento global que tem junto dos consumidores e dos próprios retalhistas.
Como noticiámos ontem, já há consequências no que diz respeito ao lançamento de 5G no Reino Unido, onde os aparelhos da Huawei, que seriam os principais concorrentes da Samsung nas ofertas aos consumidores, a ficaram de foram. Também há consequências graves no acesso aos fornecedores, já que empresas como a britânica ARM Holdings, ao afastar-se da marca chinesa, está a limitar o fabrico dos processadores que a Huawei faz para os seus smartphones.
Os custos são já incalculáveis, incluindo em marketing global. Depois de anos a investir para mostrar ser uma marca de confiança, a empresa chinesa sofre agora, com a possibilidade de perder o acesso ao sistema operativo Android, bem mais do que sofreu quando os EUA iniciaram o ano passado um processo para evitar que vários países baseassem a sua infraestrutura 5G em aparelhos da marca.
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Na primeira linha de fogo face a uma retaliação chinesa está a Apple. A empresa que tem no iPhone a sua galinha dos ovos de ouro há vários anos, concentrou a produção do seu smartphone na China, nas fábricas da Foxconn. Apesar das tentativas de passar alguma da produção para a Índia, isso ainda não aconteceu e a empresa liderada por Tim Cook corre sérios riscos neste processo de guerra comercial e política desencadeado pela administração Trump.
Já ontem, de acordo com contas da consultora Rentamarkets citadas pelo El País, surgiram notícias de que as grandes tecnológicas norte-americanas perderam com o bloqueio dos EUA à China/Huawei cerca de 198 mil milhões de dólares em bolsa, naquele que pode ser o seu pior mês dos últimos 11 anos.
Esta quinta-feira a Goldman Sachs alertava (mais uma vez), que a Apple está sujeita “a risco elevado nos seus lucros anuais” se a China decidir retaliar contra a decisão do governo norte-americano. O corte de fornecimento de componentes de semicondutores à Huawei pode prejudicar todo o setor. Rod Hall, analista da Goldman Sachs, estima que 29% dos lucros anuais da Apple estão em risco caso a China proíba a venda do iPhone no país – que será uma decisão semelhante ao que os EUA fez com a Huawei.
Francisco Jerónimo, analista principal da consultora IDC, uma das mais relevantes no mercado de smartphones a nível global, alerta que os riscos desta luta “são enormes”. O especialista português que trabalha em Londres explica: “80% dos smartphones mundiais são produzidos na China e, se os seus responsáveis quiserem, podem impedir a Foxconn de produzir os iPhone ou adicionar tarifas que vão aumentar os preços a nível global”.
Nesse domínio, a Google tem muito a perder, também, porque se perder a Huawei “fica sem 28% do seu negócio de Android e totalmente dependente da Samsung”.
Como explicámos ontem, certo é se a China retaliar os telemóveis em geral podem ficar mais caros e, mesmo que se chegue a um acordo em breve entre EUA e China, o mais provável é haver agora a necessidade de criar um terceiro grande sistema operativo no (ainda) muito desejado setor dos smartphones, rival dos dominantes Android e iOS (do iPhone).
“Há ainda muitas incertezas” e “toda esta postura dos EUA faz parte da estratégia de negociação agressiva que esta administração nos tem habituado.” O que querem? “Novos acordos comerciais e políticos mais favoráveis aos EUA”. Francisco Jerónimo indica, no entanto, que parece “pouco provável” que a China retalie na mesma moeda.