Com grandes desafios surgem grandes oportunidades. Um novo sistema operativo para smartphones feito pelas marcas chinesas pode dar nova alternativa aos dominantes Android e iOS da Apple e a Huawei está pronta para o lançar já no outono.
Os problemas criam novas oportunidades. O recente bloqueio dos EUA à Huawei “é mau para todos”. “Se a China retaliar na mesma moeda, tem poder para prejudicar seriamente e no imediato a Apple [que tem toda a sua produção centrada na China], mas também a Google e todo o mercado mundial de smartphones, prejudicando a economia dos EUA, da própria China e mundial”. A opinião é de Francisco Jerónimo, analista principal da consultora IDC, uma das mais relevantes no mercado de smartphones a nível global.
Cerca de “80% dos smartphones mundiais são produzidos na China e, se os seus responsáveis quiserem, podem impedir a Foxconn de produzir os iPhone ou adicionar tarifas que vão aumentar os preços a nível global”. A Google tem muito a perder, também, porque se perder a Huawei “fica sem 28% do seu negócio de Android e totalmente dependente da Samsung”.
Passados alguns dias do bloqueio dos EUA, já vimos um primeiro pequeno sinal de que tudo pode ser facilmente revertido. Depois de anunciar que iria suspender todos os negócios com a Huawei para cumprir a ordem executiva da administração norte-americana, a Google admitiu que todos os smartphones atuais da marca chinesa não serão, para já, afetados e que, existem três meses ainda de negociações até poder haver um bloqueio efetivo – a administração de Donald Trump deu, assim, em segundas núpcias, mais algum tempo para se negociar.
Leia também | Mesmo sob pressão, Huawei cresce no 5G. Só na Europa já existem 23 contratos
Certo é que “há ainda muitas incertezas” e que “toda esta postura dos EUA faz parte da estratégia de negociação agressiva que esta administração nos tem habituado” O que querem? “Novos acordos comerciais e políticos mais favoráveis aos EUA”. Francisco Jerónimo indica, assim, que mesmo que as negociações cheguem a bom porto nos próximos meses e seja levantado o bloqueio à Huawei, “tudo isto vai criar uma necessidade de haver uma terceira alternativa séria nos sistemas operativos para smartphones”.
Sistema operativo made in China?
Já se sabe desde fevereiro que a Huawei já estava a trabalhar num sistema operativo, caso fosse necessário, alternativo ao Android que é o sistema mais usado a nível mundial, seguido do iOS, exclusivo dos iPhone da Apple. Ontem surgiram notícias de que o CEO da área de consumidores da Huawei, Richard Yu, admitiu numa conversa de grupo em WeChat (uma espécie de WhatsApp vindo da China) já em outubro poderiam fazer esse lançamento.
Francisco Jerónimo admite que será sempre preciso perceber que tipo de acesso às apps da Google e outras um novo sistema operativo teria. Aí lojas de apps como a portuguesa Aptoide – com quem a Huawei já está em negociações, como noticiámos na segunda-feira – podem ser muito úteis. “Mais do que Huawei lançar o seu sistema operativo, o que pode mesmo dar força a essa terceira alternativa de sistema operativo dominante a nível mundial é se conseguir juntar ao ecossistema outras empresas chinesas, mas também soluções europeias”.
O analista da IDC lembra que as marcas chinesas já representam 43% das vendas de smartphones a nível mundial e o seu peso na quota de mercado do universo de Android é cerca de metade, “daí que a Google até seja das empresas que mais tem a perder se houver um terceiro sistema operativo”. Neste momento, as empresas chinesas “não têm controlo do mercado porque a nível tecnológico estão dependentes dos EUA”. Agora têm um incentivo forte “para criar o seu próprio ecossistema”. Juntos “têm capacidade de atrair os developers.
Francisco Jerónimo admite que, se a Europa tivesse já uma alternativa, os fabricantes chineses iriam apostar nela nesta altura, mas não havendo (o sistema da Nokia acabou por cair), “o mais provável agora é que os fabricantes chineses se juntem porque não vão querer estar completamente dependentes da tecnologia americana pelas incertezas provocadas pela administração Trump”. Tudo isto abre também oportunidades para o Reino Unido e para a Europa. “É provável que os fabricantes chineses, no futuro, dirijam maior investimento em desenvolvimento tecnológico fora dos EUA, na China mas também na Europa que é mais neutra e dificilmente vai ter uma postura semelhante à administração Trump”, explica Jerónimo.
Leia também | Fino, inovador e… dobrável. Primeiras impressões do Huawei Mate X
Huawei já está a perder no 5G
O operador britânico EE anunciou esta quarta-feira que a sua rede 5G irá estar operacional no Reino Unido já a 30 de maio. No seu grande evento de 5G, os telemóveis da Huawei já com esta tecnologia foram à última hora excluídos das opções dadas aos consumidores britânicos pelo recente bloqueio dos EUA à empresa. O mesmo fez a Vodafone do Reino Unido sobre os equipamentos de 5G. Ou seja, para já é a Samsung a ganhar com tudo isto, já que o seu S10 5G será um dos principais aparelhos que quem quer usar 5G terá – a Huawei é o grande rival nesta área da Samsung com vários soluções. Em alternativa à coreana Samsung, sobram o novo Oneplus 7 Pro, o Oppo Reno 5G (estas duas são marcas chinesas) e o LG V50.
O CEO da EE, Marc Allera, admitiu, no entanto, que a operadora continua a trabalhar com a Huawei (e não só) nas redes 5G principais e não tem quaisquer planos de mudar essa estratégia nesta altura.
Francisco Jerónimo indica que outro dos problemas para a Huawei passa pelo acesso a alguns componentes. Além da Intel e Qualcomm, empresas americanas, poderem também bloquear a Huawei, pode haver outras repercussões mesmo que a Huawei até faça os seus próprios chips, através da sua subsidiária HiSilicon – a Qualcomm dá componentes a alguns smartphones da marca e a Intel fornece os processadores dos seus portáteis.
“Existem alguns fornecedores da Huawei como a britânica ARM Holdings, que fornece material para os chips da empresa, que pode deixar de fornecer esses componentes, dificultando toda a operação”, diz o analista. Certo é que a empresa chinesa, de acordo com a Bloomberg, tem três meses de componentes armazenados e não vai sofrer, para já, com o bloqueio a nível de produção.
Além disso, “se não houver soluções nos próximos dois meses, os operadores e retalhistas vão provavelmente de lançar novos smartphones da Huawei, o que vai ter um grande impacto na empresa no final do ano”, explica Francisco Jerónimo. No entanto, o que se está a verificar é que as marcas norte-americanas, como a Apple, estão já a sofrer na Ásia, “já que os consumidores começam a olhar para os EUA e os produtos vindos de lá com outros olhos”. “O que esta crise tem dado a perceber é que os consumidores gostam dos produtos da Huawei, que é uma marca vista como inovadora e com bons preços e sentem-se prejudicados se tiverem de estar a mudar de algo que gostam”, acrescenta o analista.
Só em 2018, a Huawei, marca líder em Portugal, vendeu mais de 200 milhões de smartphones a nível global.
Leia também | O que valem as quatro lentes do Huawei P30 Pro? Damos a resposta