É a série do momento, trouxe à ribalta o acidente nuclear de Chernobyl e mostra-nos um momento que podia ter mudado para pior a forma como se vive na Europa. Mais do que isso: mostra-nos que pode haver consequências devastadoras para a irresponsabilidade humana. Estas são as cinco lições da série e da realidade.
É difícil imaginar o que se vive e como nos pode afetar um acidente nuclear como o de Chernobyl, que já se passou há três décadas (para muitos é algo atual, ou porque ainda carregam doenças derivadas da radiação ou porque trabalham para também minorar os problemas que ainda ali existem e vão continuar a existir). Há um número de mortos impressionantes – estimativas apontam para que seja bem superior a 4 mil –, uma área incrível originalmente de dois mil km2 que foi desimpedida de humanos (e animais foram abatidos para não levaram contaminação para outras zonas) e muitas histórias tragicamente alteradas de várias formas por esse acidente – que, como explica a série, podia ter sido muito pior.
Por isso mesmo, as reações a uma série tão bem escrita, interpretada e tão visceral quanto Chernobyl, da HBO, têm sido surpreendentes até para os seus autores (o americano Craig Mazin fez o seu trabalho de casa), não só pelo sucesso e por chegarem a muita gente, mas por ser também ser bem sucedida a nos fazer lembrar um acidente que esteve perto de devastar e tornar inabitável boa parte da Europa. Além disso, também nos mostra que há consequências que podem ser irreparáveis quando a mentira é permitida a técnicos e governantes em algo tão importante e perigoso quanto a tecnologia que envolve a energia nuclear.
O filme, mais ou menos exacto face ao que se passou, é também um testemunho do lado negativo do império soviético que, diz-se, terá acabado em boa parte devido ao acidente nuclear de Chernobyl (o próprio Gorbatchov terá admitido a certa altura isso mesmo). Para quem tiver interesse, além de ver a série que se tornou polémica por acusações de falsidades por parte da Rússia, é boa ideia (vale bem a pena) ouvir o podcast dedicado à obra da HBO onde o criador Craig Mazin explica mais pormenores da história que não conseguiu incluir na trama e também as opções, em certos aspetos, de dramatizar partes da história original – curiosamente chegou ao top das listas de podcasts em Portugal e por lá se vai mantendo, mesmo quando a série já estreou há dois meses.
Seguimos então para as cinco lições fundamentais que uma série tão intensa e dramaticamente conseguida como Chernobyl permitem concluir e que refletem, em certa medida, muitos aspetos universais dos seres humanos, alguns positivos, outros incrivelmente perigosos para a vida humana no planeta Terra – e numa altura onde temos tecnologia a guiar uma revolução digital e automatizada no planeta, faz todo o sentido refletir com base na história.
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Chefias sem conhecimentos e focadas no status quo
Este ano entrevistámos por duas vezes, a propósito de conferências diferentes, o futurista alemão Gerd Leonhard, um ex-músico que é um respeitado visionário que consegue analisar o passado e o presente como poucos, para antever o futuro. E o que tem o alemão a ver com esta temática? Gerd deixou uma sugestão/alerta peculiar da primeira vez que falámos: “a maioria dos políticos que nos governam não sabem nada sobre o verdadeiro potencial e impacto perigoso da tecnologia na sociedade e deviam descer do pedestal e tirar cursos em futurismo, que os preparassem para que não decidissem às cegas sobre as temáticas que prometem mudar as nossas vidas (a tecnologia está, como nunca, a mudar a forma como vivemos, interagimos e até pensamos)”.
Neste contexto, Chernobyl, a série e o acidente nuclear em particular, são um exemplo de como chefias sem conhecimentos e a gerir uma situação onde a ciência e a exatidão dos dados não é o foco e onde o objetivo primordial é manterem o status quo, pode ter um resultado trágico, como aconteceu na Ucrânia – Chernobyl fica por lá. A falta de conhecimentos de chefias, que queriam controlar e mandar no que não entendiam, é gritante e esteve perto de tornar uma tragédia num mal bem maior para milhões de pessoas na Europa.
Os segredos e a mentira sobre algo que importa verdadeiramente, em Chernobyl, continuam mesmo depois do reator 4 da Central Nuclear de Chernobyl ter explodido e do núcleo ter ficado exposto. O significado disto é de uma gravidade sem precedentes na história humana e os soviéticos tentaram esconder até não poderem esconder mais. Mesmo depois da Alemanha e a Suécia terem proibido as suas crianças de ir à rua, para evitar a radiação que vinha de Chernobyl, a centenas ou milhares de quilómetros de distância, as pessoas e crianças de Prepyat, a cidade de 50 mil habitantes a poucos km da central, continuavam a andar na rua sem saber o mal que lhes estava a acontecer, isto porque o governo soviético tentou negar e manter segredo a realidade.
É nestas circunstâncias, também por mérito dos realizadores, que mesmo momentos simples por vezes custam ver na série – aquele ar radioativo que os habitantes de Prepyat respiravam era um monstro escondido que já tinha apanhado adultos e crianças, só que eles ainda não o sabiam.
Voltando ao futurista alemão, na atualidade, “só quando o pior acontece é que o ser humano vai atrás do prejuízo”. E isso viu-se bem em Chernobyl. Mesmo a história que se segue ao acidente, não só para tentar poupar o resto da Europa aos efeitos da radiação, mas para apurar culpados, demonstra como os segredos mantém-se mesmo depois de já todo o ‘leite ter sido derramado’ – ainda hoje falta muita informação sobre os verdadeiros efeitos de Chernobyl, quantos matou ou incapacitou.
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Custo das mentiras
Já vimos, no longo ponto anterior, parte do custo das mentiras. Quem as evidencia são os heróis da série. Não são heróis no sentido tradicional, mas ainda assim tiveram um papel heróico e de sacrifício pessoal para resolver o problema e explicar aos soviéticos e ao mundo o que verdadeiramente causou aquela tragédia. Legasov é o cientista herói na série, embora seja um homem do regime soviético, onde nem tudo é imaculado. Mas no final da sua vida, deu o corpo ao manifesto que acabou por permitir mudanças nas centrais nucleares e lições para o mundo científico para evitar mais tragédias.
A mensagem que a sua personagem – e o próprio, em K7s que deixou antes de se suicidar precisamente dois anos depois do acidente nuclear (um gesto que acabou por contribuir para que toda a verdade chegasse até nós) – é que “há um custo para as mentiras”. Foram mentiras científicas e tecnológicas que causaram Chernobyl – defeitos técnicos de raiz nas centrais nucleares soviéticas que foram ignorados e mantidos em segredo. “Se ouvirmos demasiadas mentiras já não reconhecemos a verdade”, diz a certa altura Leganov.
É ainda curioso realçar como uma série que passa em streamingda HBO e com esta temática, que para muitos é alienígena (poucos se lembram bem do acidente em pormenor), conseguiu depressa tornar-se naquela com melhor classificação de sempre no reputado site-biblioteca de conteúdos audiovisual, o IMDb.
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Prodígio técnico futuro. Ainda se trabalha em Chernobyl
Ainda hoje trabalham em Chernobyl cerca de três mil pessoas (não em simultâneo), em várias tarefas diferentes, a maioria para controlar os efeitos radioativos da central cujos reatores todos só foram desativados já em 2000. Os trabalhos dividem-se entre continuar a desativação completa dos reatores e monitorizar as condições na zona. Quem lá trabalha não vivo dentro da zona protegida, mas trabalham por turnos por lá ou durante quatro dias e folgam três ou durante 15 dias e folgam outros 15. Quem por lá trabalha só o faz durante um período de tempo limitado e tem de ser monitorizado constantemente para que não acumule elementos radioativos no seu corpo
Nos últimos anos foi colocada no local uma cúpula de contenção inédita, enorme, um verdadeiro prodígio da técnica para evitar transmissão de radiação, criada de raiz com mais de mil milhão de euros pagos pela União Europeia (no total custou 2 mil milhões) para nos proteger do reator 4 que explodiu e que ainda é imensamente radioativo. Essa cúpula substituiu o chamado sarcófago, que mais não era milhares de toneladas de cimento por cima do reator.
No consórcio que fez a tal cúpula está o grupo francês Vinci, que controla os aeroportos portugueses e os reflexos do acidente vivem-se lá de forma peculiar. Existe uma estrutura que precisa de profissionais vários a trabalhar por lá, com as devidas precauções e que são substituídos de tempos em tempos para não ficarem demasiado expostos à radioatividade. Ou seja, Chernobyl não foi, ainda é e vai ser por muitos anos – podem passar milhares de anos até deixar de ter níveis relevantes de radiotividade.
(vídeo sobre a história da nova cúpula)
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Prepyat. A cidade fantasma que virou floresta selvagem no meio da Europa
O espaço que foi há 30 anos a cidade de Prepy é hoje um lugar peculiar. Uma cidade fantasma e abandonada – evolui entretanto para se tornar uma floresta apocalíptica no meio da Europa –, ainda com os vestígios de quem deixou tudo para trás para fugir ao monstro da radiotividade e com pormenores como os fatos dos bombeiros que tentaram apagar o fogo, que ainda estão na cave do hospital local, abandonados e extremamente radioativos.
Prepyat era uma cidade tipo na União Soviética, invejada por outras cidades por ser moderna. Por estar perto da central nuclear, tinha regalias e novidades raras no mundo soviético – foi a primeira cidade soviética com supermercado self servicee com carrinhos, à semelhança do que é hoje a normal nos supermercados. E o parque de diversões da cidade, com uma grande roda, era suposto abrir uns dias depois do desastre – no 1º de maio de 1986 – mas acabou por até abrir no dia do acidente nuclear para, acredite se quiser, distrair a população da explosão radioativa que tinha acontecido ali ao lado.
No meio da cidade há hoje muita natureza. A floresta invadiu o espaço e tomou-o como dele. Há ainda muitos animais, alguns colocados para tentar ver como sobreviviam naquelas condições. Os biólogos têm ficado surpreendidos pela forma como os animais se têm mantido e até procriado e crescido na zona. Uma das curiosidades é que os lobos, porcos e outros que tais preferem a zona da floresta mais perto da central e radioativa.
Motivo? Estão mais longe das extremidades da zona inabitada e dos humanos. É uma verdadeira zona europeia fantasma, onde está uma cidade abandonada e uma enorme floresta que ocupa um espaço considerável no norte da Ucrânia e ainda um pouco da Bielorrússia. Um ecossistema raro na Europa, não só por ser um espaço radioativo a leste da Europa único no planeta, mas por ter uma quantidade de natureza sem presença humana como não se via há séculos no antigo continente.
(Youtuber especializado em locais abandonados fez vídeos recentes com imagens de drone da cidade)
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Turismo floresce, mas com críticas
Uma das formas de vermos como está hoje em dia a cidade de Prepyat e a zona de Chernobyl é espreitar alguns vídeos colocados no YouTube, onde não faltam imagens incríveis de drone e muitos registos ao estilo reportagem ou documentário. A curiosidade natural de muitos pela chamada Zona de Exclusão tem permitido ver o local incrível da cidade agora ocupada pela natureza.
Quem lá chega tem de andar sempre com medidor de radioatividade na mão. Os visitantes entram no enorme espaço fechado e protegido por guardas a 30 km da cidade, pagando a um guia (em 2018 existiam cerca de 50 licenciados) por uma visita, depois de pediram uma autorização especial – têm de ser descontaminados à saída.
A Zona de Exclusão também foi usada para filmar o documentário da Netflix de 2019, O Nosso Planeta, servindo de exemplo de como um ecossistema pode recuperar e florescer sem a presença humana. Antes disso, em 2014, o programa Top Gear fez lá um dos seus episódios com os três apresentadores na altura a guiarem até à Zona de Exclusão.
O pior disto tudo? Com a série, tem crescido o turismo ao local, algum dele por parte de influenciadores ou influenciadores wanabeque têm feito poses com pouca roupa e que têm sido criticados, especialmente na Ucrânia, por “fotos de mau gosto” num local de uma tragédia. Tem também havido exemplos de como existem pessoas a adoptar alguns dos cães selvagens que vivem na floresta, mostrando que também há um lado positivo a tirar das visitas turísticas.
Luxo, robôs e a internet do futuro. Estivemos no primeiro hotel 5G do mundo