Gerd Leonhard é um dos futuristas, humanistas e palestrantes mais influentes a nível global. E é precisamente a pensar no futuro que o futurista defende que, embora o avanço da tecnologia seja aquilo que nos espera, ela não pode, nem deve ser aquilo em que nos tornamos. E é com os olhos postos no tema “Why and how the future is better than we think: opportunities and possibilities for healthcare, business and society during the next decade” que o orador internacional do HINTT 2020 partilha as suas previsões.
– Já várias vezes disse que a humanidade e a tecnologia irão mudar mais nos próximos 20 anos do que nos 300 anteriores. Quais serão as maiores diferenças?
Nos próximos 20 anos vamos ver a tecnologia a evoluir de uma maneira sem precedentes. Vamos assistir ao aparecimento de máquinas inteligentes, de redes 5G, conectividade global, nanotecnologia, energia renovável e sustentável para todos os dispositivos, baterias que duram 3 anos e não apenas 3 horas. Vamos assistir a mudanças extraordinariamente incompreensíveis. Porém, a grande diferença é que a tecnologia vai tornar-se ilimitadamente poderosa. Nós vamos poder fazer coisas que hoje em dia parecem ficção científica – falar com máquinas de forma a que elas nos consigam perceber, quase como se de amigos nossos se tratassem. Iremos assistir a coisas que irão permitir que as máquinas possam agir em nosso nome, transformando-as em agentes e assistentes inteligentes. No fundo, iremos assistir a um aumento do número de ações possíveis de ser executadas apenas pelo ser humano – tudo o que diga respeito ao emocional, inteligência, negociação, criatividade, design, intuição, imaginação. Tudo isso vai transformar-se no bilhete com destino ao futuro do nosso trabalho. Ainda assim, acho que não devemos ter medo do futuro. Temos sim de ser proativos e encontrar um equilíbrio entre o que a tecnologia pode, ou não, fazer.
– E no campo da saúde? Daqui a 10, 20 anos, o que poderemos esperar?
Bem, claramente os cuidados de saúde estão cada vez mais a convergir com a tecnologia. Tudo será suportado pela tecnologia. Iremos assistir ao aparecimento de dispositivos de diagnóstico pessoal, em que basta um smartphone ou um dispositivo inteligente para conectar todos os nossos dados. Todas as nossas informações pessoais, o nosso ADN, tudo.
O benefício da tecnologia será reduzir o preço e tornar os cuidados de saúde mais acessíveis, o que será urgentemente necessário na maioria dos países. Ainda assim, por outro lado, surgem os problemas de segurança dos nossos dados que poderão vir a ser usados para fins de marketing. Assim, para que isso não aconteça, é preciso delinear e redigir regulamentos globais que protejam a nossa segurança.
No fundo, os serviços de saúde seguirão o mesmo caminho que os media. Veremos a tecnologia em todo o lado. E isso vai salvar muitas vidas e tornar tudo mais acessível. Claramente, a crise provocada pela Covid-19 mostrou que tudo se resume a estar preparado e ter uma estrutura de assistência médica acessível, em que todos possam ter a mesma atenção. E este será o grande objetivo para o futuro.
A questão que se coloca não é o que é que se pode automatizar, mas sim o que não devemos automatizar.
– Na área da saúde, e na sua opinião, esta automação poderá contribuir para um tipo de medicina mais personalizada? Se sim, em que medida?
As máquinas estão cada vez mais aptas a realizar muitas das tarefas humanas. Consultoria financeira, pesquisa de informações, verificação de factos e fotos, por exemplo. A tecnologia é muito boa a comparar dados e a encontrar padrões. Mas os humanos conseguem fazer muitas outras coisas que as máquinas não são capazes. Esta automação, a que iremos assistir, contribuirá para o surgimento de novos dispositivos de personalização. A personalização, a virtualização e o conhecimento da tecnologia inteligente mudarão bastante o tipo de medicamento que escolhemos, o tipo de atenção que recebemos na área da saúde e, é claro, o preço. Porém, penso que a tecnologia durante muito tempo não será realmente o tipo de paraíso mágico em termos de solução para todos os problemas. Ainda precisaremos do engenho humano, ainda precisaremos dos pensamentos que estão entre os zeros e os uns e da compreensão, que é algo muito difícil para qualquer tipo de tecnologia.
– Mas se, por outro lado, este automatismo acontecer, o que acontece ao lado humano da saúde? A proximidade ao doente poderá ficar comprometida?
No meu ponto de vista a tecnologia tentará fazer isso. Mas o ser humano é muito mais feliz quando se trata de relacionamentos e compromissos, de experiências. É assim que funcionamos. Acreditamos em experiências pessoais e acho que isso não vai mudar, ao invés será ainda mais importante quando o contacto digital aumentar. Podemos comprovar isso a partir dos dados. Os dados online são uma componente muito forte nas nossas vidas, mas o restante não está online, não é digital, não é sobre dados. Eu não casei com minha esposa porque ela é eficiente ou porque é uma fonte de dados. A tecnologia não é mais do que uma assistência inteligente e todos nós podemos usar essa assistência para sermos mais rápidos, mais eficientes e reduzir custos.
Esta automação tem tudo para ser uma coisa boa, desde que governada por uma diretriz ética, onde se estabeleça que tudo o que é humano não deve ser substituído por uma máquina. No fundo, essa máquina deveria fazer coisas que são normalmente rotina, trabalho padrão. Portanto, a questão que se coloca não é o que é que se pode automatizar, mas sim o que não devemos automatizar.
– Por fim, respondendo à pergunta deste ano, acredita que a saúde estará pronta “para apanhar” esta onda digital?
Acho que durante esta pandemia mostrámos que estamos prontos para fazer um conjunto de coisas que nunca tínhamos pensado anteriormente. Estamos a abraçar a ciência mais do que nunca e eu penso que sim, que estamos prontos para apanhar esta onda digital, questão à qual este ano, durante a 4ª edição do HINTT, vou ajudar a responder como orador. Vivemos uma grande revolução na área da saúde, parcialmente canalizada pela COVID-19, mas que já estava no forno há bastante tempo. Acho que estamos prontos para adotar a tecnologia e em dez anos estaremos no meio de toda esta convergência. E eu espero realmente que, com isso, seja possível criar mais programas de igualdade e saúde universal e providenciar os benefícios de novas descobertas na ciência e na tecnologia a toda a população.
Saiba mais sobre o HINTT 2020 e oiça na íntegra a entrevista do futurista Gerd Leonhard, aqui.