Pedro Domingos é professor na Universidade de Washington, investigador na área da aprendizagem automática e acredita que é no meio académico que é possível trabalhar para chegar a um estado onde “os computadores possam fazer mais com menos ajuda dos humanos”.
Os primeiros passos do percurso do académico português no mundo universitário começam no Instituto Superior Técnico, em Lisboa, no início dos anos 80, década onde já se fazia investigação na área da Inteligência Artificial (IA), ainda que num estado muito primitivo. Pedro Domingos escolheu a engenharia eletrotécnica – “era a que me parecia mais interessante” – mas destaca o momento de mudança que foi a introdução do ramo de informática no IST, no seu segundo ano de licenciatura, conta, durante uma chamada de Skype, feita a partir dos Estados Unidos.
“Rapidamente conclui que computadores é que eram o futuro e que isso é que me ia interessar”, indica, momentos antes de explicar como encontrou um livro sobre os primórdios da IA. “Parecia quase uma contradição, como é que a inteligência podia ser artificial?! Li o livro e achei fascinante e achei que o essencial era a aprendizagem automática. Se formos capazes de ter a aprendizagem automática, o resto vem por consequência”, recorda o professor universitário, notando também que se tratava de uma área ainda “primitiva”, mas com “um grande potencial de impacto”.
Começava assim um primeiro trabalho de investigação – o de encontrar um ponto no globo onde se desenvolvesse o estudo da aprendizagem automática. Na altura, as duas localizações de maior relevo ficavam nos Estados Unidos: em Carnagie Mellon, em Pittsburgh, ou na Universidade da Califórnia – Irvine.
A escolha recaiu na segunda opção, onde Pedro Domingos acabaria por fazer o doutoramento em aprendizagem automática. Pelo meio, o português de 53 anos, desenvolveu investigação na área da IA e aprendizagem automática, assinou centenas de artigos académicos, mudou-se para a Universidade de Washington e conta com quatro livros no currículo.
O mais reconhecido, ‘A Revolução do Algoritmo Mestre – como a aprendizagem automática está a mudar o mundo’, lançado originalmente em 2015, já foi traduzido para várias línguas e figura nas estantes de personalidades como Bill Gates, o fundador da Microsoft, ou de Eric Schmidt, um dos nomes fortes da Google.
Pedro Domingos reconhece que há diferenças territoriais na forma como se olha para a tecnologia e, principalmente, para a inteligência artificial, ainda que ache os portugueses “otimistas” em relação à tecnologia. “Os europeus são mais céticos do que os americanos. Acho que tem a ver com o facto de a Europa estar mais ligada ao passado e a América ao futuro, porque é um país jovem, tem menos História, as pessoas estão habituadas à mudança. Rapidamente adotam novas tecnologias, na Europa há maior resistência.”
Como resultado concreto disto, aponta duas grandes questões: uma delas sendo a origem das maiores tecnológicas globais.
“Nenhuma delas é europeia, são americanas ou chinesas. Em termos de investigação, a Europa sempre esteve avançada, mas em termos de transformar isso em empresas, não se tem visto grandes resultados”, aponta.
Ter impacto no futuro
Ao contrário de Manuela Veloso ou Fernando Pereira (que figuram também no número 2 da revista Insider), Pedro Domingos mantém-se exclusivamente no mundo académico, embora não esconda que já recebeu “muitas propostas de empresas, de facto muitas delas são tentadoras”. Mas, para este português, no final do dia, a resposta está na palavra ‘impacto’.
“O mais importante é ‘qual é o impacto que o meu trabalho vai ter?’. Trabalhar nas empresas pode ter grande impacto a curto prazo, mas os algoritmos de aprendizagem que temos hoje são ainda muito primitivos. Penso que o maior impacto, a longo prazo, será o de desenvolver algoritmos de aprendizagem melhores do que temos hoje. E para esse tipo de trabalho mais fundamental e a longo prazo, o melhor sítio continua a ser a universidade”, explica.
Para o português, que refere utilizar IA “de manhã, à tarde e à noite”, as pessoas estão rodeadas de aprendizagem automática e IA, mesmo que não se apercebam disso. “Quando a pessoa está na Internet ou a interagir com um computador, a probabilidade de que esteja a interagir com aprendizagem é muito alta. E mesmo fora dos computadores há muita coisa no mundo físico que é feita com aprendizagem, as pessoas ainda não se deram foi conta disso”, explica, reforçando que há várias tecnológicas a colocar a IA no centro do negócio.
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Pedro Domingos reconhece que há preocupações sobre a tecnologia que são, ainda assim, transversais: “o emprego, a privacidade, o potencial para a discriminação, o perigo de as máquinas tomarem conta do mundo é outra… Todas estas questões estão na cabeça das pessoas”.
Mas na Europa, segundo Domingos, há uma “péssima ideia”, com uma sigla que já deu várias dores de cabeça – o RGPD (Regulamento Geral de Proteção de Dados). “É uma lei extremamente má para o desenvolvimento das tecnologias digitais. Impõe uma série de coisas que, embora seja com boas intenções, tem o efeito de retardar e dificultar o desenvolvimento da tecnologia. As grandes aplicações dos dados são para fins que as pessoas não tinham imaginado. (…) E todo o mercado dos dados e do digital tem a ver com existir propagação de informação. Portanto, essa lei sozinha pode potencialmente matar esse mercado, sabe-se lá que benefícios podiam sair deles.”
Uma perspetiva para o emprego
Não é segredo que se fala várias vezes sobre a IA enquanto força disruptiva para os postos de trabalho. E que implicações é que isto pode ter, inclusive em Portugal? Para Domingos, a “a IA é menos disruptiva para o trabalho do que se pensa. O seu principal efeito vai ser tornar possível uma vasta gama de novos produtos e serviços, e haverá muitos postos de trabalhos associados a eles. O principal objectivo de Portugal deve ser ir à frente nesta revolução, e não ficar para trás”, aponta o professor universitário.
Com tantas notícias e estudos sobre a capacidade que a IA tem para alterar o mundo do trabalho, há que perguntar a uma das mentes que domina a temática para onde é que caminhamos neste campo do mundo do trabalho. “O principal efeito da IA e machine learning é reduzir maciçamente o custo da inteligência, da mesma forma que a electricidade e os motores reduzem o custo da energia comparado com utilizar apenas os nossos músculos. E, da mesma forma que a redução do custo da energia tornou possível a civilização actual, a redução do custo da inteligência tornará possível uma civilização muito mais avançada que a atual”, explica.
“O trabalho vai consistir em transformar todas essas novas potencialidades em realidades – e vai ser muito, e muito variado, da mesma forma que a Revolução Industrial criou muitas profissões que antes não existiam”.
O professor universitário reconhece que “a IA tem uma grande potencialidade para causar este tipo de desajustamentos”, explicando que, como tudo, a tecnologia tem potencial para o bem e para o mal, nota que as questões que as vozes mais céticas levantam não devem ser ignoradas, mas que “a longo prazo, provavelmente, isto vai ser menos controverso”.
O académico diz que, enquanto sociedade, é possível haver um papel ativo no que toca à regulação dos sistemas, principalmente para os fins menos benéficos da IA. “Nas democracias, os governos são eleitos por nós, mas o problema é que os regimes autoritários – e isso é um dos perigos de se ter IA – é que lhes dá um poder que não tinham antes – o poder de monitorizar constantemente as pessoas”.
“O 1984 [livro de George Orwell] é um livro de ficção mas, em grande parte, é mais possível hoje do que era há 50 anos. E, infelizmente, governos como a China e a Rússia estão apostadíssimos em utilizar a IA para a repressão das pessoas. E aí, infelizmente, não há grande coisa que se possa fazer”, conclui Pedro Domingos.
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